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Afinal de contas, houve ou não aumento da carga tributária sobre produtos alimentícios na Bahia?

Por Alexandre Carneiro Rios Macedo

Afinal de contas, houve ou não aumento da carga tributária sobre produtos alimentícios na Bahia?
Foto: Divulgação

Um assunto que causou polêmica e repercutiu bastante nesta semana na Bahia diz respeito a um suposto aumento da carga tributária do ICMS, em relação a produtos alimentícios comercializados por estabelecimentos do setor de alimentos, como padarias e delicatessens. O “Almacen Pepe”, uma das maiores empresas do ramo, emitiu nota na qual informa que o Governo Estadual aumentou o ICMS incidente sobre produtos de mercearia, laticínios, congelados, frios e fatiados, de 4% para 20,5%, de modo que os preços das mercadorias comercializadas serão fatalmente majorados ao consumidor final.

 

Por outro lado, a Sefaz-BA argumentou que não houve aumento da carga tributária e que, na verdade, foram promovidos ajustes nesse regime de tributação com o objetivo de evitar a concorrência desleal no mercado baiano, especialmente em relação às padarias e delicatessens de grande porte. Em nota, disse o seguinte: “Ao pagar menos imposto para produtos sobre os quais outros estabelecimentos são tributados pelo ICMS padrão de 20,5%, as delicatessens de grande porte vinham obtendo vantagem sobre a concorrência. O objetivo da medida, portanto, é garantir a isonomia tributária”.

 

Mas, afinal de contas, qual foi a alteração promovida? Houve efetivamente aumento da carga tributária? Se sim, a partir de quando deveria surtir efeitos jurídicos? 

 

Pois bem. O benefício fiscal objeto da polêmica está previsto no art. 267, III do RICMS/BA. Na sua redação originária, a norma determinava a redução da base de cálculo do ICMS nas operações realizadas por restaurantes, churrascarias, pizzarias, lanchonetes, bares, padarias, pastelarias, confeitarias, doçarias, bombonerias, sorveterias, casas de chá, lojas de “delicatessen”, serviços de “buffet”, hotéis, motéis, pousadas, fornecedores de salgados, refeições e outros serviços de alimentação, de forma que a carga tributária seja equivalente a 4%.

 

Essa redação foi alterada pelo Decreto nº 22.453/23, que restringiu a aplicabilidade do benefício fiscal apenas para os alimentos e bebidas preparados no território baiano e pelo próprio contribuinte em seu estabelecimento. Após, foi editado o Decreto nº 22.539/24, estabelecendo que os efeitos da alteração ocorreriam a partir do mês de março de 2024.

 

Percebe-se, então, que houve uma alteração do âmbito de aplicabilidade do benefício fiscal: antes, incidia sobre todas as vendas de mercadorias nos estabelecimentos contemplados, dentre eles as redes de padarias e delicatessens, e a partir de agora somente sobre os alimentos e bebidas preparados no próprio estabelecimento.

 

Trata-se, propriamente, de um aumento da carga tributária ou um mero ajuste na aplicabilidade do benefício fiscal? 

 

Para responder a essa pergunta de forma adequada, é preciso salientar que o benefício fiscal permanece em pleno vigor, ou seja, a quase totalidade das vendas efetivas pelos contribuintes indicados no dispositivo legal continua com a carga tributária reduzida de 4%. Em outras palavras, do ponto de vista estritamente tributário, o pão, por exemplo, continuará sendo tributado da mesma maneira. Assim, não houve um aumento genérico da carga tributária.

 

Contudo, determinadas vendas realizadas por esses mesmos estabelecimentos serão efetivamente tributadas de forma mais onerosa, seja com a alíquota padrão atualmente vigente no Estado da Bahia, que é de 20,5%, ou por outra alíquota diferenciada, como a de 25% para bebidas alcóolicas. 

 

Conclui-se, portanto, que a restrição no âmbito de aplicação do benefício acabou por, indiretamente, onerar algumas das operações realizadas pelos estabelecimentos comerciais indicados no inciso III do art. 267 do RICMS/BA. Consequentemente, os clientes desses estabelecimentos irão pagar mais para adquirir os itens excluídos da nova regra de benefício fiscal, como vinhos, queijos, bebidas alcóolicas, chocolates industrializados etc. 

 

Considerando, então, que algumas operações, antes beneficiadas pela redação do dispositivo, foram oneradas com o novo regime, o entendimento predominante, inclusive no âmbito da jurisprudência do STF, impõe ao Fisco Estadual a observância de dois princípios constitucionais tributários, quais sejam: o princípio da anterioridade anual e o princípio da anterioridade nonagesimal. 

 

Isso quer dizer que os contribuintes atingidos pela nova regra poderão pleitear a sua aplicação apenas para o próximo ano? A princípio não, tendo em vista que, conforme adiantado anteriormente, a alteração normativa, embora só tenha sido amplamente divulgada nesta semana, foi juridicamente efetivada no ano passado, mais precisamente na data de 14/12/2023, quando foi publicado o Decreto nº 22.453. E mais: foi definido de forma expressa pelo Decreto nº 22.539/24 que os efeitos da nova regra somente passariam a vigorar a partir de março de 2024. Por conseguinte, ambos os princípios da anterioridade foram respeitados no caso concreto.

 

Por fim, fica o questionamento: a alteração promovida pelo Estado da Bahia foi justa? Ela faz sentido econômico e tributários? Os consumidores serão injustamente prejudicados? Há, ou não, sanha arrecadatória do Estado neste caso?

 

Cada pessoa possui pleno direito à sua opinião. Particularmente, entendo que a redação do dispositivo era excessivamente genérica, o que levou a um planejamento tributário bastante interessante – e perfeitamente lícito, diga-se de passagem - para alguns estabelecimentos, em especial as padarias, restaurantes e delicatessens de maior porte –, que passaram a vender produtos diversos que iam além da mera produção artesanal, como, por exemplo, laticínios, vinhos e bebidas alcóolicas, chocolates refinados etc, com uma carga tributária reduzida, de apenas 4%.

 

Isso levava à seguinte situação exemplificativa: se um consumidor adquirisse um pacote de queijo em um supermercado, arcaria com um ônus tributário de ICMS de 20,5% (alíquota padrão atualmente vigente na Bahia); todavia, se fosse comprar esse mesmo queijo em uma delicatessen, o ônus seria de apenas 4%, tornando evidentemente mais vantajosa a segunda opção. O mesmo valeria para outros produtos, como vinhos, whiskies, chocolates...

 

Tratava-se de uma situação que realmente feria a isonomia tributária, privilegiando certos comerciantes em detrimento de outros, o que também acarretava concorrência desleal entre empresas que atuam em ramos econômicos com similaridades. Certamente não era esse o espírito da norma. De fato, a nova redação está mais condizente com a finalidade extrafiscal do benefício fiscal. 

 

E com relação aos consumidores? Serão prejudicados? Ora, os consumidores que frequentavam os estabelecimentos afetados pela alteração normativa terão, indubitavelmente, um impacto no bolso ao adquirir determinados produtos. Frise-se: os alimentos e bebidas preparados nos próprios estabelecimentos continuarão com a carga tributária de 4%. Dessa forma, ao adquirir pães, salgados, sanduíches, sucos, cafés, milk-shakes, dentre outros, preparados no próprio estabelecimento, o benefício será aplicado e terá impacto no preço final, tornando mais barata a compra. 

 

Quanto aos demais produtos, é importante destacar que a maior parte dos estabelecimentos do ramo alimentício estão vinculados ao Simples Nacional e, portanto, não foram afetados com a nova regra. Fora isso, são as leis do mercado que irão atuar para equilibrar os preços praticados em um cenário tributariamente mais isonômico. 

 

*Alexandre Carneiro Rios Macedo é advogado tributarista e sócio do escritório Nunes Fernandes & Advogados Associados

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias