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A liberdade de contratar na apuração de haveres das sociedades limitadas (Parte 1)

Por Alexandre Martfeld

A liberdade de contratar na apuração de haveres das sociedades limitadas (Parte 1)
Foto: Arquivo Pessoal

As sociedades, antes de se tornarem pessoas jurídicas, são instituições humanas. Têm como cerne de sua existência e sobrevivência as condutas humanas e, como tal, submetem-se à frugalidade inerente à vida humana e às relações sociais que travamos no transcorrer de nossa fugaz existência.

 

O legislador ordinário, antevendo as situações que ocasionam o rompimento do vínculo societário outrora estabelecido entre os sócios, regulamentou a denominada dissolução parcial. Esta poderá ocorrer por exclusão (extra)judicial de sócio, retirada imotivada nos casos de sociedades por tempo indeterminado, falecimento ou exercício do direito de recesso. Trata-se de um processo complexo que demanda cuidadosa consideração legal e procedimental.

 

Um dos elementos cruciais desse desdobramento, e que será objeto de perquirição nos textos que serão apresentados em sequência, é a apuração de haveres, um método determinante para estabelecer os valores pertinentes aos sócios envolvidos que, por quaisquer razões, deixam de pertencer ao quadro societário da empresa. Assim, compreender a posição do ordenamento jurídico e do STJ em relação ao método de apuração de haveres em dissoluções parciais de sociedades limitadas torna-se fundamental para o desfecho desses processos de forma justa e equitativa.

 

Uma vez rompido o vínculo societário de um dos sócios, inicia-se o processo de apuração de haveres com a liquidação de suas quotas. Neste momento, calcula-se “a parcela do patrimônio da sociedade que corresponde às cotas do ex-sócio”1. É comum haver, previamente, no corpo do contrato social, as condições nas quais a operação ocorrerá, definindo-se desde já o método de cálculo e a forma de pagamento.

 

Contudo, na omissão do contrato social, será considerado como critério de apuração de haveres para verificar o valor das quotas a serem pagas ao ex-sócio o valor patrimonial da quota verificado em balanço de determinação especialmente levantado, tomando como referência a data da resolução da sociedade (Art. 1.031 do Código Civil c/c Art. 606 do Código de Processo Civil).

 

Até o ano de 2021, prevaleceu na jurisprudência nacional a ideia de que, quando o contrato social não especifica o método da apuração de haveres ou na dissidência do sócio em relação ao resultado apurado pelo método eleito no contrato social, a abordagem mais adequada para calcular a compensação de um sócio que se retira seria a conjugação do (i) balanço de determinação para a apuração dos ativos tangíveis com o (ii) método do fluxo de caixa descontado para apuração dos ativos intangíveis.

 

Este entendimento fundamentava-se no julgamento realizado pelo Supremo Tribunal Federal, em 1979, do RE 89.464/SP, de relatoria do, até então, Min. Cordeiro Guerra, fixando-se o posicionamento de que, admitida a dissolução parcial da sociedade, em observância à preservação da empresa, deverá ser conferido ao instituto forma de liquidação semelhante ao da dissolução total, assegurando ao “sócio retirante situação de igualdade na apuração de haveres, fazendo-se esta com a maior amplitude possível, com a exata verificação, física e contábil, dos valores do ativo”.

 

Assim, verificado o dissenso, facultar-se-ia ao sócio a adoção da via judicial, para que fosse determinada a melhor metodologia de liquidação, “hipótese em que a cláusula contratual somente será aplicada em relação ao modo de pagamento” (Resp. 1.335.619/SP 2015), qual seja, a conjugação do balanço de determinação com o fluxo de caixa descontado.

 

Entretanto, com o julgamento do Resp 1.877.331/SP, de relatoria da Min. Nancy Andrighi, em abril de 2021, o Superior Tribunal de Justiça passou a indicar que “a metodologia do fluxo de caixa descontado, associada à aferição do valor econômico da sociedade, utilizada comumente como ferramenta de gestão para a tomada de decisões acerca de novos investimentos e negociações, por comportar relevante grau de incerteza e prognose, sem total fidelidade aos valores reais dos ativos, não é aconselhável na apuração de haveres do sócio dissidente.”

 

O critério a ser utilizado no levantamento dos haveres de um sócio retirante, segundo o referido julgado, deve ser o balanço de determinação, método por meio do qual o ativo (tanto bens corpóreos quanto incorpóreos) é avaliado a valor de mercado2 e os passivos trazidos a valor presente, mensurando-se, assim, o acervo líquido da sociedade, tal qual ela estivesse sendo totalmente dissolvida naquele momento.

 

Diante das recentes mudanças na jurisprudência, a questão da apuração de haveres em dissoluções parciais de sociedades assume uma nova perspectiva. O embate entre métodos de avaliação, outrora pautado na conjunção do balanço de determinação e do fluxo de caixa descontado, agora se redefine com ênfase na avaliação pelo balanço de determinação.

 

Este novo paradigma tenta oferecer maior clareza e segurança aos processos, garantindo uma abordagem mais alinhada com a realidade econômica das sociedades em situações de dissolução parcial, entretanto, como se verá no próximo artigo expositivo, ainda há debate acerca do tema, especialmente no que tange à avaliação dos bens intangíveis, adotando o STJ uma posição que privilegia a autonomia da vontade.

 

*Alexandre Martfeld, advogado especialista em Direito Societário do Costa Oliveira Advogados

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias