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Coluna

Ciências Criminais: Por que um juiz e um promotor não podem ser compadres no processo penal?

Por Gustavo Brito

Ciências Criminais: Por que um juiz e um promotor não podem ser compadres no processo penal?
Foto: Divulgação

Na segunda-feira (15/04), o Bahia Notícias e diversos outros meios de comunicação divulgaram a suspensão, por determinação do CNJ, de magistrados que atuaram em processos da “Operação Lava Jato” que teriam burlado a ordem processual e violado o Código de Ética da Magistratura.


Notícias dessa natureza nos remetem a discussões sobre a imparcialidade do magistrado, garantia fundamental de todo indivíduo, prevista no art. 5º, inciso XXXVII, da Constituição da República de 1988, cuja preservação, ao lado de outras garantias fundamentais, é vital para que todo e qualquer processo criminal possa ser considerado justo.


A imparcialidade é um dos pilares da justiça, especialmente em processos criminais, pois o seu resultado poderá ser a imposição de algum tipo de constrição da liberdade de indivíduos. O seu valor mostra-se inestimável, e, segundo as normas vigentes, acusação e defesa disputam – ou deveriam disputar – em igualdade durante o jogo processual, de modo que qualquer desequilíbrio irregular para um dos lados, que não decorra do convencimento realizado pela atividade probatória, acaba por resultar na anulação do processo. 


Um processo demanda tempo, recursos financeiros e de pessoal da administração pública, utilização de ferramentas investigativas por meio da Polícia ou Ministério Público, além de outras despesas de outras instituições. Sem falar, ainda, na credibilidade do Judiciário, uma vez que parte da sociedade acredita que o Poder Judiciário irá, de fato, responsabilizar autores pelos crimes cometidos; assim, a violação de normas da mais alta relevância acaba por acarretar grande frustração e descrença.


O raciocínio é muito simples: caso você estivesse em um processo de divórcio litigioso com seu marido ou esposa, jamais iria querer que o juiz que fosse tendencioso para beneficiar a parte contrária. Seria muito menos razoável que tal magistrado debatesse com o advogado do seu marido ou esposa sobre o processo, solicitasse documentos ou desse orientações de como o defensor deveria se portar para que ele decidisse de alguma forma. Situações como essa são inaceitáveis em um processo cível, que versam sobre questões de ordem patrimonial. Então, por óbvio, como aceitar que se isso ocorra em um processo criminal, quando a liberdade do indivíduo é que está em jogo?  


Em junho de 2019 o site Intercept divulgou mensagens trocadas entre integrantes do Poder Judiciário e Ministério Público Federal que atuavam nos processos da Operação Lava-Jato, cujo conteúdo evidenciava a nítida parcialidade daqueles integrantes, ante a discussão prévia sobre decisões a serem proferidas posteriormente, e, até mesmo indicação de provas e requerimentos a serem realizados para embasar futuras decisões condenatórias, situação que acabou por culminar com a anulação de diversos processos e graves prejuízos à toda sociedade.


Esse tipo de relação é inadmissível em todos os países que se declaram democráticos, não apenas por ferir gravemente a Constituição, mas por violentar a regra elementar de um processo: a necessidade de aplicação da lei conforme os preceitos da justiça, afinal, quem assim age, evidencia o seu interesse por alguma das partes. No entanto, ao magistrado cabe, como único interesse, o esclarecimento dos fatos e a aplicação da lei.


É importante que todos os integrantes os Órgãos do Estado, e, em especial do Poder Judiciário e do Ministério Público, atuem “dentro na lei”, já que fora dela “não há salvação”, como nos ensinou Ruy Barbosa. 


Episódios dessa natureza foram amplamente noticiados nos últimos 5 (cinco) anos, o que conduz a uma reflexão sobre a importância de existir um necessário distanciamento entre os magistrados e integrantes do Ministério Público, a fim de garantir o exercício da jurisdição com imparcialidade, afinal, os períodos históricos nos quais tais funções se confundiam e eram exercidas conjuntamente, foram marcadas pelo forte autoritarismo em sistemas como a Inquisição do período medieval. 


Juízes, promotores, advogados, delegados, procuradores, auditores e quaisquer outros profissionais podem (e devem) conviver harmoniosamente e de forma respeitosa; porém, não podem agir como “compadres” no sistema de justiça criminal, sob pena de conduzir processos injustos, condenar indivíduos de forma errônea, burlar o processo e desrespeitar a sociedade, que nutre uma fé cega em tais Órgãos.


A fé no Poder Judiciário é algo que não compete somente ao advogado, mas a todos, afinal uma sociedade que não confia a terceiros desinteressados o múnus de julgar de forma imparcial os seus problemas e conflitos, tende à barbárie, ao uso da força, ao autoritarismo e ao controle pelo uso da violência.


Uma justiça imparcial é um desejo social coletivo e serve para aferir o grau de maturidade democrática de uma sociedade, além de elevar os magistrados ao local de devido respeito e importância que se deve nutrir por eles.