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Entrevista

“Um dos maiores gargalos é a quantidade de membros”, aponta novo presidente da Ampeb sobre atuação do MP

Por Camila São José

“Um dos maiores gargalos é a quantidade de membros”, aponta novo presidente da Ampeb sobre atuação do MP
Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

Presidente eleito e empossado da Associação do Ministério Público do Estado da Bahia (Ampeb), para o biênio 2023-2025, o promotor Marcelo Miranda mira na interiorização das ações e defesa dos direitos dos aposentados como suas principais bandeiras de gestão.  A Ampeb atualmente possui, segundo Miranda, cerca de 730 associados, sendo 540 membros da ativa mais aposentados e pensionistas. 

 

“Nesses dois anos, que nós estamos iniciando, vou dar uma ênfase muito grande aos colegas que estão no interior para que eles também se sintam amparados e da mesma forma os colegas aposentados”, pontua em entrevista ao Bahia Notícias.

 

Sobre o trabalho “na ponta”, dos procuradores e promotores, Marcelo Miranda afirma que um dos maiores “gargalos” é a quantidade de membros do Ministério Público. “Nós temos mais de 200 promotorias vagas”, sinaliza.

 

Marcelo Miranda ocupava o cargo de vice-presidente da instituição no último biênio e nesta entrevista também opina sobre a realização de concurso público, relacionamento com a Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e a instituição do juiz das garantias, ainda em julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF). 

 

O senhor compunha a última gestão, enquanto vice-presidente. O que, dessa vivência, pretende aplicar agora? E problemas, também, que não foram resolvidos que deseja solucionar?

 

A última gestão fez um trabalho muito bom no quis diz respeito à reestruturação da Ampeb, profissionalização, trabalho interno de organização, inclusive com a contratação de empresas de consultoria, de orientação realmente, de fazer com que a Ampeb se torne mais profissional. Então, a atual gestão vai dar continuidade, vai implementar todas as sugestões que foram colhidas através dessa empresa. Nós vamos profissionalizar a atuação. Isso implicará necessariamente numa melhor prestação de serviço aos nossos associados. Então, a gente vai poder otimizar os nossos esforços para poder justamente trazermos um serviço de maior qualidade. 

 

Profissionalização em sentido?

 

Por exemplo, aos associados, nós temos lá pessoal de odontologia e de fisioterapia. Na hora de você fazer o agendamento, isso aí, nós temos um público enorme da capital do interior, era feito de uma forma mais amadora. Nós vamos agora colocar sistemas que vão fazer de uma forma mais rápida, mais segura e fazendo inclusive, por exemplo, a estimativa de tempo que o profissional gasta com cada serviço que é agendado para que a gente possa utilizar o espaço com o maior número possível de associados sendo atendidos. Através da consultoria a gente conseguiu identificar que havia sim possibilidade de otimizar esse serviço, é um dos exemplos. Outra situação também no que diz respeito a parte financeira, de entender e programar os recursos que nós temos para utilizar com os nossos associados. A gente sempre fez isso de uma forma muito amadora, digamos assim, porque na verdade somos promotores de justiça que estão à frente de uma gestão e o conhecimento disso realmente não é nosso domínio. Agora que nós estamos com o resultado disso, vamos implementar. É praticamente uma continuidade de uma gestão onde vai haver melhorias como esta, por exemplo. 

 

Em relação às condições de trabalho, enquanto presidente da Ampeb, como avalia esse cenário hoje na Bahia, principalmente no que diz respeito à valorização dos promotores e procuradores de justiça? Quais seriam os principais gargalos para atuação? 

 

Nós temos uma preocupação muito grande com essa situação, inclusive quando tomei posse foi um dos pontos que eu fiz questão de abordar, porque temos diversos problemas no que diz respeito ao promotor e ao procurador de justiça que estão na ponta, que são aqueles que no exercício das funções, os que aparecem para a sociedade. Então, veja você, um dos maiores gargalos que nós temos hoje é a quantidade de membros. Nós temos mais de 200 promotorias vagas. Então, assim, quem está fazendo esse serviço? Você às vezes é de uma comunidade ‘xis’, que está lá no interior e não tem um promotor titular na cidade, mas tem um serviço do Ministério Público que é feito lá. É feito por quem? Por um colega que está lotado em outro [município]. Então, você vê uma sobrecarga de trabalho de alguém, colegas que não conseguem tirar férias, que estão de plantão nos finais de semana, dobrando e muitos acabam adoecendo. Esse é um trabalho que a Ampeb vai fazer com um pouco mais de atenção, para que, ao lado da Procuradoria Geral, a gente consiga levar membros para estes locais que estão desabrigados, digamos assim, e vamos também lutar por melhorias do serviço desse pessoal, seja através de equipamentos…Hoje a gente teve realmente uma revolução na área de informática, tem possibilidade de um promotor não estar na cidade, mas estar atendendo normalmente dentro da cidade, de forma remota, atendendo advogados, a própria comunidade, participando de audiências, despachando sem precisar estar ali. E a gente precisa buscar de forma criativa como suprir esse gargalo que é um dos principais ao meu modo de ver. 

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

 

E esse preenchimento de vagas, a realização de concurso público, já existe essa conversa com o governo estadual?

 

Existe sim. É sempre uma demanda recorrente dos colegas e da própria associação para que haja concursos públicos para preenchimento dessas vagas. O que acontece é que você esbarra sempre em uma limitação orçamentária. Daí é uma negociação com o legislativo, com o poder executivo para que a gente consiga realmente preencher o Ministério Público com as vagas que existem, que consiga prestar um serviço de melhor qualidade. O Ministério Público sempre buscou prestar um serviço de excelência para a sociedade e encontra esse gargalo muitas vezes não compreendido. Por que o Ministério Público não atuou aqui ou ali? Porque não tem, muitas vezes, o membro naquele local. A gente pode melhorar? Pode. De que forma? Nesse sentido sempre, preenchendo esses locais. 

 

O senhor tem esse número de quantos promotores tem hoje? Qual seria esse número ideal? 

 

O número ideal vai além. Hoje em atividade não tem um número preciso, sempre está oscilando, então em torno, digamos, de 500 e tantos da ativa, com 200 vagas, vai a 700. Teria 700 e poucos da ativa, isso, para dizer assim, para gente trabalhar de uma forma normal, dentro da normalidade. Mas, óbvio, que se for o ideal teria que ter um pouco mais. Por exemplo, organizações criminosas, quando se trata de segurança pública na Bahia, hoje tem uma questão de organização criminosa, nós temos dois promotores trabalhando em Salvador e região metropolitana inteira cuidando disso, ou seja, é uma demanda enorme, sobrecarrega esses profissionais. Para estar ali preenchido com dois já está numa situação de normalidade, mas é o ideal? Não, a gente teria que ter mais membros. A gente tem que usar de criatividade, porque sabemos que o orçamento não comportaria ir para o número ideal, mas tem que usar de criatividade para que possa trabalhar de uma forma que produza um serviço de qualidade. 

 

Agora falando sobre um julgamento que está no STF, a questão do juiz das garantias. Qual a opinião do senhor nesse sentido e de que forma acredita que a aprovação ou não pode impactar na atuação do Ministério Público? 

 

Na verdade, assim, há uma dificuldade de ordem prática na aprovação disso. É o ideal? É. Para que a pessoa leiga entenda, o juiz que está na produção da prova, em resumo seria assim, ele não pode participar da decisão da ação que vai tramitar para que ele não esteja de alguma forma contaminado com aquela ideia das provas que foram produzidas antes de uma ação tramitada. Hoje você vai no interior, tem vários lugares que não têm um juiz titular sequer para decidir as duas situações. Como não tem promotor para as duas situações. Então, trabalha com juízes substitutos, promotores substitutos. Pense que agora começar a ter que precisar de dois substitutos inevitavelmente, um para atuar de um jeito, outro do outro. Só que na teoria é muito bonito, na prática nós vamos enfrentar uma dificuldade enorme, talvez processos mais lentos por ausência de profissional para despachar. Essa é uma realidade que nós estamos observando que possivelmente acontecerá. 

 

Mas diretamente na atuação do Ministério Público, acha que pode interferir de que modo?

 

O Ministério Público demanda muito do judiciário. Então assim, vamos sofrer tanto como o resto da comunidade, porque vamos fazer os requerimentos e ter que aguardar o momento de termos aquilo que nós precisamos. Exemplo: o Ministério Público vai fazer uma operação e precisa de mandados de busca e apreensão na mão, precisa que o juiz autorize. Cada vez mais o judiciário restringe a possibilidade exatamente de um flagrante. Encontrar alguém com quilos e mais quilos de droga, e você vê os tribunais superiores anulando, praticamente exige um mandado de busca e apreensão. Você requer e quem vai despachar? “Ah, o juiz que julga não é o juiz que despacha, se ele despachar a ação fica parada esperando outro”. Ou seja, isso vai impactar inevitavelmente no Ministério Público. Quando se fala em meio ambiente, meio ambiente exige muitas medidas também judiciais, da mesma forma a produção de prova. 

 

O Ministério Público atua bastante nessa área criminal, mas nas outras questões ligadas aos direitos humanos, como é que o senhor tem avaliado essa atuação? 

 

A atuação do Ministério Público na área de direitos humanos tem sido bem expressiva, inclusive com as próprias associações. Veja que o Estatuto da Vítima, por exemplo, que se discute muito, teve uma participação muito grande do Ministério Público recentemente. Temos criados dentro do próprio Ministério Público centros de apoio que cuidam de direitos humanos, aí cuida de situações envolvendo a mulher, grupo LGBTQIA+, idosos, crianças, situações de vulneráveis de um modo geral, tecnicamente falando. Eles são todos abarcados. O Ministério Público vai muito além da parte criminal. A parte criminal, digamos assim, é a mais expressiva, é a mais antiga atribuição, mas quando você abre a Constituição o leque de possibilidade de atuação no Ministério Público é muito grande. Eu, quando passei no concurso e sentei numa mesa com os colegas, amigos próximos, todo mundo parabenizou, mas, pronto, o que um promotor faz mesmo? A maior dificuldade é dizer o que faz um promotor de justiça, porque você pensa em um problema tem que ter um promotor de justiça ali por força da Constituição. Se envolve improbidade, meio ambiente, criança, idoso, pessoa com deficiência, área de família, criminal, tudo tem atuação do Ministério Público. Então, assim, a atribuição é vasta, é grande. 

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

 

A Ampeb é filiada à Associação Nacional dos Membros do Ministério Público, a Conamp. Como tem sido esse diálogo, relação? O que vocês têm proposto para a melhoria das condições de trabalho, da atuação do MP-BA? 

 

A Associação Nacional é formada por todos os membros que compõem as diversas associações do Ministério Público. A Ampeb, por exemplo, tem assento no conselho deliberativo da Conamp. Através de sua presidência ali representando os interesses dos associados na Bahia e está lá deliberando como todos os outros. Então assim, sempre nós vamos ter voz, ter poder de orientação e decisão. A gente contribui com todas as discussões que estão tramitando em Brasília, seja no poder judiciário nas altas instâncias, seja no Congresso Nacional, o Ministério Público, através de suas associações, também está lá acompanhando toda essa legislação que pertence ao dia a dia do promotor para que não haja retrocessos, para que não impliquem no serviço de pior qualidade. A gente busca sempre que a legislação, quando seja alterada, garanta os direitos que já vinham sendo preservados. 

 

Mas na prática como é que está o diálogo hoje, quais os principais temas têm sido debatidos entre Ampeb e Conamp? 

 

Temos temas de diversas ordens, um, por exemplo, de implicação direta na Bahia. Na Bahia, por conta daquela escassez, que eu lhe falei, de promotores, qual foi a solução doméstica que se resolveu? Foi a criação de cargos de assessores, assessores de promotoria. Então, o que acontece? A criação dessa lei é objeto de uma Adin [ação direta de inconstitucionalidade] no Supremo. Então, o que acontece é um diálogo que nós temos com a Conamp, com o Supremo Tribunal Federal para buscar a melhor modulação para que possam ser corrigidas as eventuais falhas. O diálogo é muito profícuo, nós temos um trato excelente com a Conamp. A Conamp tem uma deferência muito grande com a Bahia e a Bahia tem sido bem respeitada, seja no âmbito da Conamp, do Conselho Nacional do Ministério Público, dentro do próprio Conselho Nacional de Justiça, onde um dos membros daqui da Bahia é conselheiro do CNJ. Então, assim, temos um trânsito e um diálogo profícuo com todas as entidades que estão em Brasília.

 

Nesse momento de formação de listas para composição de vários órgãos do judiciário, vacância de cadeiras, muito se fala na questão da diversidade, de ter pessoas negras, indígenas, mulheres nestes espaços. Como enxerga essa possibilidade? Qual seria o primeiro passo para essa mudança? 

 

A Ampeb, sempre que esses temas são chamados, está ao lado desse tipo de discussão. É óbvio que nós defendemos. Somos uma entidade que defende os espaços democráticos. Eu acho que enquanto as mulheres não ocuparem o espaço devido delas, não serão ouvidas como deveriam. Elas estarão chamando e o processo vai de uma forma bem lenta, mas quando você ocupa espaço de poder e está lá falando dos seus direitos, é óbvio que vai ter muito mais avanços. E ao lado disso, tem que garantir também no judiciário isso, porque o judiciário em última instância é o que vai dizer se aquela lei vale ou não, se ela afronta ou não a Constituição. É sempre importante ter representações no judiciário dentro do próprio Ministério. No Ministério Público, por exemplo, a procuradora-geral de Justiça é uma mulher, a corregedora-geral é uma mulher.Os órgãos superiores do Ministério Público na Bahia são chefiados por mulheres. Aqui na Bahia tem mais mulheres em cargos de membros, de promotores, do que homens. Então veja, as mulheres já no Ministério Público ocupam um espaço de destaque e não por outra razão nós sempre defendemos isso. LGBTQIA+, também temos um espaço muito grande dentro do Ministério Público, nós temos colegas que são  LGBTQIA+ e estão ali defendendo, temos um centro de apoio, núcleos que defendem esse direito de forma bem contundente e atuante. 

 

E qual vai ser a sua principal bandeira, como pode definir como será o seu biênio, a sua gestão? 

 

No que diz respeito a várias ações que já vêm sendo feitas, foram reconhecidas pela classe, não à toa tive uma votação expressiva e não houve sequer quem resolvesse, digamos assim, abrir uma concorrência. Porque, o que foi feito: foi montada uma chapa de pessoas realmente sem vinculação política. Nesse sentido, eu penso em fazer um pouco diferente do que já vinha sendo feito para dar uma tônica: irmos ao interior. Porque a Ampeb fica muito concentrada, porque há muito mais promotores e procuradores aqui na capital, e no interior a gente faz um esforço que é muito difícil de alcançar, porque nós temos um estado gigantesco. Então, nesses dois anos que nós estamos iniciando vou dar uma ênfase muito grande aos colegas que estão no interior, para que eles também se sintam amparados e da mesma forma os colegas aposentados. Quando o colega se aposenta, perde diversas garantias que um membro da ativa possui, especialmente, no que diz respeito ao âmbito financeiro. Nós vamos cuidar para que as paridades sejam mantidas e o colega não fique muitas vezes na ativa por mais tempo do que precisaria, somente para manter algumas garantias que dele são subtraídas.