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Entrevista

“Democratizamos o Poder Judiciário”, crava Castelo Branco ao fim da gestão no TJ-BA

Por Camila São José

“Democratizamos o Poder Judiciário”, crava Castelo Branco ao fim da gestão no TJ-BA
Foto: Camila São José / Bahia Notícias

Empossado presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) em fevereiro de 2022, o desembargador Nilson Soares Castelo Branco deixará o comando da Corte no próximo ano e, na sua avaliação, o principal legado deixado para a Corte baiana é a democracia. “Democratizamos o Poder Judiciário. Saímos da torre de marfim e fomos ao encontro dos jurisdicionados que moram e habitam na Bahia profunda”, afirma. 

 

A cadeira da presidência será ocupada pela desembargadora Cynthia Maria Pina Resende, que tomará posse em fevereiro. Sobre a sucessão, Castelo Branco aposta em um biênio pautado na tecnologia, democratização e diversidade. “Juntamente com a desembargadora das Comarcas do Interior, desembargadora Pilar [Tobio], elas vão dar uma atenção muito grande a esse item consistente na violência contra a mulher e nas minorias que são discriminadas: negros, transgêneros, deficientes físicos”.

 

Nesta entrevista ao Bahia Notícias, Nilson Soares Castelo Branco faz um balanço dos dois anos à frente do primeiro tribunal das Américas, os investimentos no 1º Grau, os gargalos da gestão, a relação com a advocacia e os demais poderes, além da luta travada para restituição da moral e imagem do TJ-BA e seus desembargadores diante de escândalos como a Operação Faroeste. 

 

Depois da última sessão do ano do Pleno, gostaria que o senhor fizesse um balanço de 2023. Qual o saldo?

O tribunal foi um tribunal mais cordato, mais ponderado. Há divergências, mas são divergências civilizadas. Não era um tribunal que tinha, muitas vezes, discussões que saíam dos limites da civilidade e nós estamos buscando construir um tribunal melhor ainda. Esses magistrados novos que têm vindo, seja por antiguidade ou merecimento, têm enriquecido o tribunal, vêm com outra mentalidade. São magistrados de raiz, mas que têm uma vida pregressa modelar. Então eu encaro que a minha sucessão, a sucessora, no caso a desembargadora Cynthia, mulher, afeita e sensível às questões da mulher, juntamente com a desembargadora das Comarcas do Interior, desembargadora Pilar [Tobio], vão dar uma atenção muito grande a esse item consistente na violência contra a mulher e nas minorias que são discriminadas: negros, transgêneros, deficientes físicos. Eu acho que é um tribunal que está se modernizando e tendo uma visão pluralista da nossa sociedade, da nossa história. E cada vez mais eu acredito no Tribunal de Justiça da Bahia sintonizado com a realidade do mundo e a realidade da vida. Se fala em muito acesso à Justiça, acesso amplo, fala-se em multiportas, mas o que eu sinto é que o cidadão brasileiro gostaria que ele se livrasse das demandas ao final, com a prestação jurisdicional mais célere. E isso vai implicar em concursos de magistrados, de servidores, mas tudo isso eu lhe digo na perspectiva de que o Poder Judiciário tem uma responsabilidade na dinâmica econômica. Quanto melhor o judiciário, quanto mais o judiciário que entrega a prestação jurisdicional rápida, melhor será para a economia e para a vida social das pessoas. Porque não é possível que se espere uma demanda com mais de quatro, cinco anos.

 

E o que o senhor acredita que é possível fazer para se reduzir esse tempo, essa morosidade?

Uma reforma constitucional em que se diminua o número de instâncias. À primeira vista pensa-se: ‘olha, muitas instâncias é para que ao final e ao cabo se aprofunde na questão da boa aplicação da Justiça’, mas chegamos ao entendimento de que a demora das demandas com recursos de instância em instância é muito prejudicial. O cidadão quer e requer acessibilidade ao Poder Judiciário, mas também não é de bom grado para ele ficar escravizado pelas demoras das questões e das demandas. Hoje, você não sabe, mas existe um juiz estressado, juízes com depressão, juízes com angústia, porque cada magistrado tem sua estrutura psicológica e psíquica diferente de um e do outro. Então é preciso se olhar também do sofrimento por que passa o juiz e também o sofrimento por que passam as partes que litigam. Não é boa coisa a pessoa saber de que a questão deles não foi resolvida. Por isso que também o Poder Judiciário está intensificando os meios alternativos de resolução de conflito através do Cejusc, da mediação, dos conciliadores, para que isso se resolva através da autocomposição. A autocomposição é mais legítima e eficaz do que é a própria sentença imposta a uma das partes, porque na conciliação e na mediação, as partes constroem a decisão, negociam qual decisão pretendem. Nós não podemos infantilizar a sociedade com essa tutela permanente do poder judiciário. Não é possível que você tenha uma briga com o vizinho a respeito de um pet, de um cachorro e não procure o síndico para resolver, já quer ir logo para o juizado. Precisa ter que se criar junto à sociedade a capacidade dos sujeitos discutirem para resolver o problema.

 

O ministro Luís Roberto Barroso [presidente do Supremo Tribunal Federal] quando esteve aqui em Salvador falou da necessidade de regulamentação do acesso ao STF. O senhor acredita que também seria necessário pensar algo para a primeira instância, para o Tribunal de Justiça?

O que nós precisamos é que a última instância, o Supremo Tribunal Federal, seja uma Instância eminentemente constitucional, para a preservação da Constituição Federal, mas se coloca lá também recursos ordinários, mandados de segurança diretamente interpostos. Nos Estados Unidos, parece que a Suprema Corte julga 80 questões por ano. Isso cria um saturamento mental. Eu gostaria aqui de criar no tribunal um setor de saúde, uma espécie de saúde mental, de alguém ser socorrido pelos dramas, pelas angústias. Às vezes o juiz vai para uma Vara e vê uma vara com 4.000 processos, 5.000 processos e às vezes ele se sente com problemas de depressão, de angústia, de sofrimento. 

 

Isso principalmente no interior?

Agora mesmo você verifica que uma juíza de Feira de Santana foi destinatária de um elogio por parte da procuradora de Justiça, doutora Vanda, pela coragem com que ela teve de determinar a prisão de várias pessoas, inclusive pessoas que detém status políticos, e ela sozinha em Feira de Santana. Então, hoje nós colocamos o setor de inteligência, o setor de segurança para dar garantia a ela. Você vê como uma mulher juíza, magistrada, que às vezes acumula as questões de ser dona de casa, mãe de filhos, ela precisa ter um olhar diferenciado. 

 

Castelo Branco deixará a presidência do TJ-BA em fevereiro de 2024 | Foto: Camila São José / Bahia Notícias

 

O senhor acredita que esse debate também passa por uma possível ampliação de comarcas? 

Muitas vezes aqui as comarcas aqui tinham 40 processos, 100 processos, então houve a necessidade até de extinguir comarcas. A Constituição do estado diz que em cada município haverá uma comarca, mas às vezes, paradoxalmente, quando você cria muitas comarcas, muitos juizados, isso, por incrível que pareça, estimula até os litígios. Por exemplo, Xique-Xique do Iguaçu está ali em eterna paz, todo mundo cuidando, o último homicídio ocorreu há mais de 100 anos, todos vivem em uma interação salutar. Bote um Juizado lá que começa a ter litígio, começa a ter demanda. Tem um elemento psicológico nisso. Nós estamos criando e fomentando a uma sociedade altamente litigiosa, por qualquer coisa ela litiga. 

 

E como desfazer essa cultura?

Através de capacitações, da educação judiciária, da Universidade Corporativa, de tempo de colaboração para dialogar com os demais setores da sociedade. [Neste mês de dezembro] entregamos prêmios a todas as empresas que tiveram a capacidade de resolver conflitos mediante conciliação, elas receberam o prêmio e de Juízes também. Essa capacidade de promover a conciliação é um atributo para o magistrado que precisa ser capacitado para tal. 

 

Essa questão de celeridade, voltado a falar do ministro Barroso, ele tem falado sobre o uso da tecnologia e da inteligência artificial. O senhor acredita que de fato isso possa ter um impacto positivo e dar uma celeridade na análise dos processos?

Pode ter impactos positivos, mas a tecnologia às vezes não pode substituir o homem. O robô às vezes não substitui o juiz, porque muitas vezes é a prolação de uma sentença depende de sentimentos, de valores, a dosimetria de uma pena - que é a quantidade de uma pena que vai se aumentar ou diminuir - depende muito da percepção do magistrado sobre aqueles fatos. Então, o robô vai poder resolver muitas coisas, mas muitas delas essenciais ao aspecto axiológico, valorativo, ele não vai poder resolver. 

 

Agora, durante a sua gestão, o senhor focou bastante no fortalecimento do 1º Grau. Foram diversos fóruns inaugurados. Quais os resultados já são perceptíveis, que até o jurisdicionado possa perceber com essas reinaugurações e qualificações?

A ida do presidente a essas comarcas, que estão localizadas na Bahia profunda, como Cocos, Santa Maria da Vitória, Riachão das Neves, Formosa do Rio Preto, isso é importante porque o jurisdicionado se sente prestigiado, os servidores se sentem prestigiados, o juiz se sente prestigiado e através desse contato direto nós vamos perceber os problemas de cada comarca. Tem comarca onde o nível de violência sexual contra menor ou de abuso sexual contra menores está superando o crime de tráfico. É doloroso. Tem um um município, Carinhanha, se eu não me engano, que faz divisa quase com Minas Gerais, que ela [a prefeita] chegou a implorar em uma inauguração. Como mulher, como negra, essa prefeita, Dona Raimunda, nunca me esqueci, onde ela clamava para que os órgãos, inclusive o poder judiciário, prestassem atenção para essa questão que está ocorrendo no município relativamente às violências sexuais contra menores e os abusos sexuais. A ponto de eu ser informado que o delegado de polícia não resolvia muitas das questões, porque sequer tinha um veículo. Essa questão não é de governo, porque você vê coisas boas feitas pelo Governo da Bahia, com a questão de [escola de] tempo integral - aonde a criança menos favorecida entra pela manhã, tem a merenda matinal, depois elas tomam banho, almoçam, ainda ficam estudando cursos de música, de desenho, geometria, linguagem, é um espetáculo. Então o governo faz, mas ele não tem condições de fazer tudo. Eu vou ter um contato com o governador [Jerônimo Rodrigues], para que eu possa dizer a ele o que é que está acontecendo em Carinhanha. Ao tempo em que vou aplaudir pelas atitudes e as obras bem fazeres que tem trazido ao estado da Bahia.

 

O senhor acredita que esse diálogo entre Judiciário, Legislativo e Executivo tem se estreitado cada vez mais? 

Tem se estreitado e há de se estreitar mais. Os atos de colaboração com os poderes, isso é muito importante. Eu chego no interior e vejo que o prefeito municipal está colaborando com o judiciário, às vezes fazendo cessão de funcionários, ajudando o juiz. Então eu vejo com muita esperança essa questão das colaborações entre Executivo, Judiciário e as Câmaras de Vereadores porque todos querem que exista uma sociedade melhor, mais justa, mais fraternal.

 

Mas o senhor não teme essa questão da politização do politização? Porque a gente tem visto até no cenário nacional, com as indicações de ministros ao STF, por exemplo. 

Isso é um problema que é um momento histórico, isso vai passar, a sociedade vai chegar a um ponto de amadurecimento crítico e de força junto a essas instâncias para que elas se modifiquem. Essa questão, nós tivemos Supremos em momentos virtuosos, não estou fazendo crítica a atual composição do Supremo, mas eu não sei, eu acho talvez que isso decorra muito das questões das redes sociais, das polarizações ideológicas, das narrativas. Fenômeno que ocorre no mundo inteiro.

 

Agora falando dos gargalos, a questão do PJE, o senhor acredita que melhorou apesar das críticas? 

Melhorou e tem ainda um emperramento aqui e acolá, mas tem sido amplificado a capacidade desses provedores. Tem o chamado provedor redundância, que na caída de um vem outro. Você pode verificar que diminuiu muita crítica, ainda existe, mas foi atenuada. Na próxima gestão, eu tenho certeza de que vai melhorar muito ainda. Isso é um processo.

 

E questionamentos de advogados e da própria OAB sobre as prerrogativas da advocacia, principalmente na questão das sustentações orais? Advogados relatando, por vezes, terem sido barrados de sustentar. 

Olhe bem, existe um mundo de processo. Eu fui advogado, eu sei o significado e o valor da sustentação oral. Mas há momentos em que se for dar ao advogado, a todas as incidências que ocorrem no processo com recurso contra decisões interlocutórias a possibilidade de sustentação oral, vamos começar às 8h30 aqui e terminar às 4 horas da manhã que ainda não termina. Isso é uma forma de abreviar. Eu gostaria que todos produzissem sustentação oral, até porque é uma sustentação oral que evita que nós magistrados possamos praticar uma injustiça. Quantas vezes eu já não levei processos à Corte e, de repente, o advogado diz algo, eu peço vista desse processo e entendo que ele tem razão. Até já aconteceu aqui, de uma senhora vir ao meu gabinete, de Maceió, chegou umas 17h45 e eu estava saindo para ir para casa, e minha secretária - eu tinha uma secretária muito amável e humana - disse: 'desembargador, vem aqui, a pessoa veio lá de Maceió para a ver a questão do filho dela sobre a quantidade de droga'. Eu voltei sem advogado, eu e os assessores reexaminamos o processo, e ela tinha razão. Então a própria parte em contato com o juiz e a LOMAN diz isso, é obrigado a magistrado atender os advogados e as partes. É capaz de clarear o ponto que para nós ficou obscuro. 

 

Mas o senhor acha que existe essa guerra mesmo entre magistratura e advocacia?

Essa guerra no mundo está em todos os lugares. É a mesma que Thomas Hobbes, em Leviatã, todos contra todos. É juíza contra juíza, juiz de primeiro grau contra o tribunal, desembargador; tribunais de instância inferior contra os tribunais superiores. Você tem legislador contra juiz, juízo contra legislador, mulher contra homem. É um negócio sério que está se expandindo no mundo, uma briga constante. 

 

A polarização…

A polarização no mundo é uma coisa. Eu também às vezes penso: será que não foi o novo despertar? Isso não veio para um novo despertar? Será que isso não é uma fase histórica que vai desembocar em um momento civilizatório mais avançado, para se chegar a uma síntese? Eu acredito, às vezes, muito nisso, que às vezes é o prelúdio de uma etapa melhor do que a que nós estamos vivendo.

 

Foto: Camila São José / Bahia Notícias

 

O senhor na última sessão do Pleno falou muito sobre restituição da moral e restituição da imagem da magistratura. Como é que avalia esse novo momento do tribunal com a chegada de novos desembargadores e em paralelo a abertura de novas investigações, com desdobramento da Faroeste e também fora do âmbito da força-tarefa?

Nós entregamos exemplares do Código de Ética da Magistratura. Eu sinto que vem uma turma iluminada, com nova visão, com novo modo de olhar. Houve um ganho significativo desses novos desembargadores que foram investidos no Tribunal de Justiça. Têm outro pensamento, um pensamento renovador, mais lúcido, mais saudável, eu tenho certeza que o Tribunal de Justiça, sobretudo no comando da desembargadora Cynthia, vai evoluir. Ele vai evoluir. A própria pressão da sociedade, a liberdade de imprensa que é importante, não se pode criminalizar a liberdade de imprensa, a liberdade de imprensa é salutar, é saudável e contra ela não pode se impor censura prévia, isso é uma regra para mim que vem ao encontro dos marcos civilizatórios que nós encontramos. Isso é importante que o judiciário tome consciência disso, inclusive eu e meus colegas. Então tudo isso é importante. A imprensa é importante, o Ministério Público é importante, outra instituição fabulosa que está vindo aí é a Defensoria Pública - trabalhos tecnicamente excelentes, com a nova visão de compromisso com o ser humano -, tem a OAB, um grupo de advogados que pensam de uma forma libertadora, emancipadora, da mulher, do homem, das pessoas que são discriminada,s das pessoas que são objeto de preconceito. Então isso é muito importante para todos nós. Nós tiramos ali o Prêmio Transparência, foi o primeiro do Brasil.

 

Ia perguntar exatamente sobre os prêmios que o tribunal recebeu esse ano.

Isso ajuda, quanto mais transparente são as instituições, mas ela capta o resultado dessas transparências evoluindo com a crítica. As transparências existem para que ocorra a democracia, para que alguém de lá aponte os nossos defeitos. Fizemos um portal que evoluímos muito em decorrência das críticas existentes. 

 

Se o senhor pudesse definir em uma palavra a sua gestão e destacar os principais pontos, o que diria?

Para mim a democracia. Democratizamos o Poder Judiciário. Saímos da torre de marfim e fomos ao encontro dos jurisdicionados que moram e habitam na Bahia profunda, para ouvir todos, para ouvir a servidora, o juiz, o administrador do fórum, o advogado, o Ministério Público, o defensor público. A presença do presidente, a presença da mesa diretora no interior da Bahia profunda é importante, nisso que se consiste na democracia do Poder Judiciário.

 

Se o senhor puder fazer projeções também para o futuro do Tribunal de Justiça da Bahia. O que o senhor deseja?

É a maior democratização, até porque em toda essa caravana física que fizemos, caravana cívica que fizemos ao longo de muitas ao longo de muitas comarcas no interior da Bahia. Eu fui com Cynthia, que era responsável pela Justiça 4.0 e implementação 4.0, e pelas salas passivas onde existe o local no fórum, onde o facilitador recebe as pessoas que são excluídas digitalmente para serem inseridas dentro da estrutura do Judiciário. Salomão [Resedá] também, um grande desembargador, que tem como perspectiva preocupações com a criança e o adolescente, ele foi e vai ainda para essas comarcas para que se instale a sala de depoimento especial, que é ouvida a testemunha da criança vítima de abuso sexual ou quando ela testemunha de crime que tem um contorno, afeição de violência, ele também foi importante, ele é importante. Eu tenho certeza que a desembargadora Cynthia, pela essa vivência, ela que inclusive já foi corregedora do Interior, ela vai dar ênfase nessas visitas às comarcas do interior.