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Cabeça de bode: Lenda envolvendo Fluminense e Joia da Princesa é mistura de crendice e racismo religioso

Por Bia Jesus

Cabeça de bode: Lenda envolvendo Fluminense e Joia da Princesa é mistura de crendice e racismo religioso
Foto: Ascom / Fluminense de Feira

Por ser um país bastante rico culturalmente, o Brasil possui uma grande diversidade em seu folclore também. Principalmente aqui, na Região Nordeste do país. Por aqui temos diversas histórias como por exemplo, a lenda da Comadre Fulozinha, o Barba Ruiva, o Quibungo, o Homem do Saco e outras inúmeras lendas. Contando sobre isso, a cidade de Feira de Santana é a casa de uma dessas grandes lendas: a lenda da cabeça de bode no Joia da Princesa.

 

Reza a lenda que existe uma cabeça de bode enterrada no emblemático Estádio Joia da Princesa, a casa do Fluminense de Feira. A história é a seguinte: dizem em Feira que essa cabeça de bode foi enterrada por uma antiga lavadeira do clube, que durante meses ficou sem receber o dinheiro do serviço prestado. Insatisfeita com a falta de pagamento por parte do tricolor, a personagem resolveu amaldiçoar o Touro do Sertão e supostamente enterrou também uma cabeça de bode na casa do tricolor. E enquanto esse crânio do animal estivesse enterrado, o clube não conseguiria ter sucesso em nada. A crença popular diz que quando os restos mortais do bode foram encontrados, todo azar do time no futebol acabará. 

 

 

“Ela era uma lavadeira, lavava a roupa do Fluminense naquela época… E aí, em um certo momento ela ficou sem receber o dinheiro por parte do clube e lançou a maldição, disseram que ela lançou a maldição sobre a vida do Fluminense. E aí dizem que ela enterrou a cabeça de bode no no Joia da Princesa e de lá pra cá o Fluminense tem sido esse fracasso aí”, conta Paulo José, jornalista e setorista do clube.

 

E acrescentou. “Até faz boas equipes, com bons times, mas não têm resultado. Porque tinha esse tempo até porque a personagem, hoje em dia, é falecida. E viver essa maldição prejudica o clube”.

 

Por parte do clube, tudo não passa de fantasia e histórias de torcedores inconformados com as derrotas sofridas pelo clube.

 

“Pelo período que eu ando naquele estádio, desde os cinco anos de idade, eu tenho 65, então faz 60 anos que eu ando ali… Isso nunca passou de uma mera lenda. O pessoal sempre faz essa brincadeira quando o time perdia, e por exemplo, quando ele perdia duas partidas seguidas, aí o pessoal usava muito essa fantasia de dizer que ali tinha uma cabeça de bode. Aí essa cabeça de bode, claro que é uma coisa fantasiosa, né? Está supostamente enterrada no Joia”, comenta Tadeu, diretor administrativo do clube.

 

Cidadãos feirenses contam que parte da população da região já se juntaram diversas vezes para realizar escavações dentro e fora do estádio para tentar achar a tal cabeça do bode - ou de um burro -, mas em nenhuma dessas vezes obtiveram sucesso. Até hoje, então, a cabeça do animal supostamente segue enterrada no Joia. 

 

Uma outra explicação para a criação da lenda, é que supostamente, a nossa personagem, uma ialorixá que foi famosa em Feira, criava um bode preto. Pessoas, poucos conhecedoras da religião de matriz africana, começaram a relacionar a criação do bode da mãe de santo com a realização de trabalhos para o mal com o uso do animal. 

 

O fato fez com que, o Joia da Princesa, a casa de um dos mais tradicionais times do interior do Estado da Bahia, tornou-se palco de um grande episódio de racismo religioso que dura desde a década de 70 até os dias atuais. O clube, sua casa e uma ialorixá da cidade sofrem há mais de 50 anos com os desdobramentos de uma lenda supostamente criada por torcedores que ficaram chateados com a má-fase do clube e, com isso, começaram a insinuar que a cabeça do bode estaria enterrada no local.

 

O negro, o povo escravizado, já viviam escondidos, porque os brancos não poderiam entender que eles estavam cultuando os Orixás. Então, por isso que existia por exemplo, a capoeira como uma dança. E aí, para que eles pudessem se alimentar, existia o corte, que é o egé, o famoso sacrifício. O sangue, na realidade, ele é a vida. Não é usado para destruir ninguém, e sim para agradecer o orixá, fortalecer ele, como se fosse um alimento", declara Marvínia Dias, dirigente espiritual da Casa de Oração Oxóssi Guerreiro e Cabocla Jurema, terreiro de Umbanda em Salvador.


"Então, ali se cortava o bode, a cabra, o carneiro... Fazia o corte, tirava o sangue para poder oferecer a eles em agradecimento. O bode não simboliza a morte nem a destruição, o corte do bode simboliza a vida. Junto com o corte, vem a parte de dentro toda do animal sendo retirado, como um sacrifício pra ser dado a eles, que não é de agora, isso vem de muito tempo atrás, é algo bem antigo, entende? O sagrado é antigo. Veio dos nossos antepassafos. O padê por exemplo -farofa que pode ser de mel, de água e de dendê -, que hoje é jogado no chão por Carlinhos Brown e Filhos de Gandhy no carnaval, era colocado em estradas onde os negros escravizados passavam para que eles pudessem se alimentar juntamente a um copo d'agua”, disse.

 

Marvínia também falou sobre a associação do corte de animais nas religiões de Matriz Afro a sacrifícios demoníacos, e como isso tem acabado em muitos terreiros sendo invadidos, destruídos e queimados.

 

"E muita gente vê isso como um sacrifício demoníaco, né? Porque tá tirando uma vida, então as pessoas começam a julgar, falando que está dando sangue a satanás, mas na realidade, não é nada disso. Porque para uma criança ser gerada no ventre, quando ela é retirada do corpo da mãe o que é que sai primeiro? O sangue. Não é assim? Então, o sangue ele representa a vida, por isso existe o corte. Seja ele do bode, seja ele da cabra, seja do carneiro, seja do frango, existe o corte pra que seja retirado essa menga (sangue). Então é por isso que é feito todo sacrifício, mas que muita gente acaba levando pra um lado negativo. Que estamos alimentando Satanás, porque isso é coisa do demônio e etc... Mas, na verdade, não é nada disso. É um sacrifício de ancestralidade, de anos, anos e anos. Não é de agora, não foi criado agora, mas muita gente acaba dizendo que é o demônio. E aí começam essas lutas, essas guerras, esse racismo religioso. Muita gente invade terreiros de Candomblé, Umbanda, Kimbanda. Por quê? Porque tem pessoas que não entendem, e além disso, que não aceitam. E aí acaba tendo essa tristeza que a gente vê em muitas casas", disse.

 

É importante citar que existem duas explicações para a história. Uma que leva ao imaginário popular das lendas urbanas e folclóricas, e a outra que envolve uma personagem que pouca ou nenhuma relação com o clube possuía.

 

O fato é que o clube inicia uma nova temporada, agora em 2024, onde busca voltar aos trilhos - período em que foi foi Bi-Campeão Baiano, na década de 70 -, conseguir o acesso à 1ª divisão do Campeonato Baiano de 2025 e encerrar de vez essa história que assombra o time há mais de 60 anos. Com novo parceiro administrativo gerindo a SAF, o clube encara uma Série B cheia de expectativas para voltar aos dias de glória.