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Samba de Quinta abraça pluralidade de Salvador e busca apoio para se manter: "A conta não fecha"

Por Bianca Andrade

Samba de Quinta
Foto: Gabriel Xavier

"Quem não gosta de samba, bom sujeito não é. Ou é ruim da cabeça, ou doente do pé." O verso de Dorival Caymmi em 'Samba da Minha Terra' traduz o sentimento de boa parte da população baiana sobre um dos maiores gêneros da música brasileira, afinal, foi daqui que o samba nasceu.

 

E por aqui, ao menos na capital baiana, ele continua prospectando, já que o consumo da população soteropolitana em busca de um bom e velho samba para curtir o dia, noite ou madrugada, cresceu de alguns anos para cá. E é quase impossível não ver uma festa de samba marcando presença na agenda cultural da cidade durante a semana.

 

Uma delas é o Samba de Quinta, idealizado pelo produtor cultural, DJ e empreendedor Matheus de Morais, de 28 anos, que existe desde fevereiro de 2022 e conseguiu furar a bolha das redes sociais, lotando espaços e se tornando uma das maiores sensações na capital.

 

Foto: Gabriel Xavier

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, Matheus revelou o que o levou a criar a festa, a qual ele já considera uma verdadeira experiência do samba na capital. Com a licença dos mestres Jorge Aragão, Paulo Roberto Rezende e Flávio Cardoso, quem foi que falou que Matheus não é um moleque atrevido?Segundo o produtor, a ideia do Samba de Quinta veio do desejo dele de um lugar que oferecesse segurança e liberdade para que ele ser quem ele é, e que pudesse "beijar na boca em paz".

 

"O Samba de Quinta surgiu a partir do meu incômodo de estar em um espaço dedicado ao samba, mas que não conseguia acolher a amplitude de corpos e de diversidade de gênero, e de orientação sexual que eu via nos lugares. Era um padrão sempre heteronormativo e isso me incomodava profundamente. Foi aí que eu decidi criar o Samba de Quinta, para ter a possibilidade de ir para um samba, um pagode sem me preocupar em ser julgado pela minha roupa, para eu poder beijar na boca em paz, porque não tinha nenhuma festa de samba na cidade com essas características", conta ao site.

 

A história do Samba de Quinta começa no Santo Antônio Além do Carmo, mas foi no Pelourinho que ele ganhou a identidade pela qual ele é conhecido hoje. Foram duas edições no Centro Histórico, até a ida do SdQ para o Rio Vermelho, primeiro no Colaboraê e depois no Z1, que ficou conhecido na web pelas filas quilométricas formadas no Largo de Dinha, resultado do sucesso da festa.

 

 

"Quando eu criei o Samba de Quinta, eu criei para poder beijar na boca (risos), ele nasceu com a ideia de uma agenda cultural para acontecer toda quinta-feira, porque eu sentia falta disso, de um evento que movimentasse a cidade às quintas. Quando eu idealizei, escrevi o meu projeto, criei para isso, a partir da edição do Pelourinho ele ganhou um outro rumo e se transformou em uma festa e ganhou essa estrutura [...] Quando a gente estava lá atrás, em 2022, a gente não tinha ideia de que fosse atingir tal tamanho e popularidade. Ele tomou uma proporção que a gente não tinha noção." 

 

"O povo que produz o show e assina a direção" - Coisa de Pele, de Jorge Aragão e Acyr Cruz

Para tornar a experiência algo a ser vivida, o Samba de Quinta inicialmente foi feito a 20 mãos, ou seja, dez pessoas envolvidas na operação. Após ser pensada por Matheus, o produtor cultural convocou um verdadeiro time para realizar o evento.

 

"O evento passou a ter duas bandas, passou a ter uma line-up, uma diversidade musical, direção artística... Porque as bandas são soteropolitanas de artistas emergentes, são artistas que cantam músicas de outras pessoas, então a gente passou a ter essa direção artística e musical", conta.

 

No entanto, a equipe sofreu cortes devido à realidade da produção de eventos em Salvador. Segundo o produtor, o projeto acontece de uma forma ainda mais independente e mais trabalhosa.

 

 

"É uma conta muito complexa porque depende das possibilidades que a gente quer apresentar para o público. O Samba de Quinta teve uma redução na equipe, começamos bem grande, com 10 pessoas, quatro de produção, tínhamos pessoas para direção de arte, comunicação, marketing, produção audiovisual que inclui fotógrafo, videomaker, designer... Só que a nova realidade afetou a equipe e foi reduzida para três pessoas."

 

"Quando a gira girou, ninguém suportou só você ficou, não me abandonou" - Quando a Gira Girou, de Claudio André Guimarães e Serginho Meriti

E quem fica quando tudo está dando errado? O público do Samba de Quinta. Para o produtor cultural, a música de Meriti e Guimarães, interpretada por Maria Rita, frisou ele em entrevista, representa a lealdade do público que frequenta a festa e acredita no potencial da experiência ofertada pelo Samba de Quinta.

 

Um desabafo feito por Matheus nas redes sociais ganhou repercussão e, nele, o produtor falava sobre as dificuldades de realizar um evento em Salvador com a falta de apoio público e privado. Matheus ganhou o apoio do público em busca de patrocinadores para a festa.

 

 

Ao Bahia Notícias, o idealizador do SdQ citou em média quanto é gasto para uma edição da festa acontecer - com cerca de R$ 60 mil apenas para o lugar do evento. "As pessoas não fazem muita ideia, e você fica assim 'Como é que essa conta vai fechar?'. Então hoje a gente faz assim de investimento, qual é o investimento que a gente precisa para poder colocar a festa na rua? É sempre uma conta muito difícil, porque você não vai conseguir uma marca que coloque R$ 60 mil, ainda vai depender da bilheteria, ainda vai depender do bar".

 

"É correria pra caramba, muito sonho e pouca grana" - A Preta Venceu, de Cleitinho Persona, Elizeu Henrique e Ludmilla

Ao ser questionado pelo BN sobre a maior dificuldade de colocar o Samba na rua, Matheus pontua a falta de apoio de marcas. Para o produtor, o fato de ser um evento para o público LGBTQIAPN+ e negro torna ainda mais difícil das empresas verem potencial no evento.

 

"A maior dificuldade das marcas enxergarem potencial no Samba de Quinta é estarem no Nordeste, porque elas não conseguem estar no espaço da Bahia, do Nordeste, e elas têm dificuldade de colocar dinheiro em eventos que não sejam do eixo Rio-São Paulo. Para além disso, o samba ainda ocupa esse lugar marginalizado e as marcas têm dificuldade de enxergar a gente. Tem uma outra questão também que está envolvida que é como as marcas, produtos para pessoas negras e pessoas LGBTQIAPN+, tem essa dificuldade de perceber que é algo rentável e que as pessoas estão em busca deste produto. Você consegue ver o samba hoje em lugares mais gourmetizados, porque viram no Samba de Quinta uma possibilidade de rentabilidade. E isso não é apenas do gênero, em específico, no consumo da música samba. Surgiram novas festas na cidade, novas produções de conteúdo foram geradas, muitas vezes copiadas do Samba de Quinta, é óbvio que há um crescimento. Mas existe essa dificuldade."

 

Além dos problemas com patrocinadores, a crítica fica por conta da mobilidade na capital, que atrapalha o mercado do entretenimento, e a falta de espaços para a realização de eventos na cidade. 

 

"Para eventos de grande porte nós temos o Parque de Exposições, que é um espaço de agropecuária, e o WET, um antigo parque aquático. Isso sem contar a Fonte Nova. Quando se passa para espaços menores, nós temos lugares se adaptando aos eventos, mas não temos lugares que sejam próprios para isso. Aí existe a possibilidade de fazer uma festa no Subúrbio. Como eu trago esse público para cá? Na conta, além do valor do ingresso, tem o valor do transporte e isso pesa no bolso. Quem tem mais de R$ 200 para gastar em uma noite?", questiona.

 

"Olha o povo pedindo bis, os ingressos vão se esgotar, show tem que continuar" - O Show Tem Que Continuar, de Arlindo Cruz, Sombrinha, Luiz Carlos Da Vila

Prestes a realizar uma nova edição do Samba de Quinta, apesar dos pesares, Matheus conta que tem muito o que celebrar. O desejo de curtir uma noite desimpedido deu surgimento à experiência a qual ele chama a festa.

 

Para o produtor cultural, além das conquistas pessoais, do crescimento do evento, que teve início como uma agenda cultural, o Samba de Quinta atualmente representa uma conquista coletiva. 

 

"Propor uma experiência única e significativa me traz essa sensação de realização. Mas se eu pudesse resumir, a minha maior realização é ver que o SdQ possibilita o crescimento, não somente individual, mas coletivo, de uma comunidade, de um grupo, esse é o maior tipo de realização que eu posso carregar na minha vida. Porque eu percebo que o Samba de Quinta não funciona só para mim, ele funciona para a sociedade, para Salvador, movimenta a economia, o cenário do entretenimento. Perceber esse sentimento coletivo é a minha maior realização."