Usamos cookies para personalizar e melhorar sua experiência em nosso site e aprimorar a oferta de anúncios para você. Visite nossa Política de Cookies para saber mais. Ao clicar em "aceitar" você concorda com o uso que fazemos dos cookies

Marca Bahia Notícias Holofote
Você está em:
/
/
Entretenimento

Notícia

Espaço, trajeto & dinheiro: Combinação de fatores leva Salvador a não ser escolhida como palco de grandes shows internacionais

Por Bianca Andrade

Apresentações internacionais que aconteceram em Salvador
Foto: Divulgação

Reconhecida como a Cidade da Música em um título mundial dado pela Rede de Cidades Criativas da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco) em 2016, Salvador caminha a passos largos e lentos para conseguir se transformar em um grande palco para atrações internacionais no Brasil.

 

A queixa é antiga, apesar da capital baiana já ter recebido nomes como Paul Simon, o primeiro grande astro internacional a gravar com o Olodum em 1990, Michael Jackson para a gravação do clipe 'They Don't Care About Us' em 1996, além de grandes espetáculos internacionais com as turnês de Beyoncé, Paul McCartney, Elton John, Maroon 5 e mais ao longo dos últimos anos.

 

Para o público, a exclusão de Salvador da rota dos shows internacionais é algo "inexplicável", já que a cidade já esteve no itinerário dos artistas em alguns outros anos. 

 

No entanto, o mercado do entretenimento analisa a movimentação de forma diferente e preocupante, que liga um alerta para os astros internacionais na cidade, mas também para os nomes nacionais, que em 2024 já sofreram com o cancelamento de grandes turnês não só na capital baiana como em todo o Brasil.

Shows internacionais em Salvador

Arte: Igor Barreto/ Bahia Notícias

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, o secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Pedro Tourinho, reforçou como tem sido trabalhada a questão de trazer mais visibilidade para a capital baiana e provocar o interesse de produtoras e nomes internacionais na cidade, e revelou que vem tendo conversas com produtoras internacionais para que Salvador volte a receber turnês como antes. 

 

"Estamos conversando com produtoras internacionais para colocar no roteiro e eles entenderem qual é a equação que funciona para fazer um show aqui. Eu entendo que a expectativa seja alta em todo mundo, assim, porque realmente faz muitos anos que a gente não tem um grande show aqui. Acho que o último foi Paul McCartney, nesse nível, assim, de estádio. Mas a gente tá trabalhando muito para reverter essas dinâmicas." 

 

MUITO DESEJO X POUCO ESPAÇO 
Ao ser questionado sobre uma das principais queixas do público sobre a falta de espaços na cidade para receber shows de grande porte, Tourinho frisou a construção Arena Esportiva, criada para sediar eventos esportivos e culturais nacionais e internacionais e que receberá um investimento de R$ 163 milhões para abrigar mais de 12 mil pessoas. 

 

Atualmente, a cidade conta com três locais que podem comportar shows para um público acima de 20 mil pessoas, a Casa de Apostas Arena Fonte Nova, o Parque de Exposições de Salvador e o WET. "A gente está trabalhando muito para reverter essa situação e colocar essa dinâmica em outra direção. Temos a Arena Multiuso que está sendo feita na Boca do Rio, e que vai poder receber também shows, com uma estrutura mais completa."

 

 

Os últimos shows internacionais que aconteceram na capital baiana fora de festivais, como o Festival de Verão que recebeu CeeLo Green em janeiro deste ano, foram realizados em espaços menores. Em 2022 a cantora galesa Bonnie Tyler se apresentou na Concha Acústica do TCA para menos de 2 mil pessoas. Já o grupo norte-americano The Manhattans, fez um show em Salvador na Pupileira em 2023, que tem capacidade para 1500 pessoas.

 

A cidade também já recebeu apresentações da banda canadense Simple Plan em 2012, no antigo Bahia Café Hall, e de 50 Cent no WET, no entanto, o público não foi numeroso como o dos grandes astros internacionais.

 

COMO CHEGAR NA CAPITAL? 
Outro ponto já citado por empresários como fator dificultante para a realização de eventos internacionais em Salvador é a malha aérea da Bahia. Apesar do crescimento de 36% no número de voos e de 38% no volume de passageiros internacionais em um comparativo de dezembro de 2023 para janeiro de 2024 divulgado pela Secretaria de Turismo do Estado (Setur-BA), a mudança ainda não foi suficiente para atrair os olhares dos produtores de eventos para a capital.

 

"A gente tem um trabalho também no sentido de aumentar a quantidade de voos internacionais para Salvador, porque isso é um fator de logística que é super importante. E trabalhado para aumentar a base de hotéis na cidade, hotéis de padrão para esse público", afirmou Tourinho.

 

Foto: Divulgação

 

No início deste ano, o titular da Setur-BA, Maurício Bacelar, afirmou que o Governo do Estado tem trabalhado na prospecção de novos voos internacionais para a Bahia que reflete no aumento do turismo. A cidade registrou um aumento significativo no número de voos de diferentes destinos do exterior, entre eles Montevidéu (Uruguai), Madri (Espanha), Buenos Aires (Argentina), Lisboa (Portugal) e Santiago (Chile).

 

Neste ano, o Aeroporto de Salvador fechou o primeiro semestre do ano com mais de 3,9 milhões de passageiros, com destaque para junho, o melhor desde 2015. No período, o equipamento administrado pela Vinci Airports recebeu mais de 600 mil pessoas. 

 

Concorrentes direta de Salvador quando se trata da disputa pelos shows internacionais, Recife e Fortaleza também brigam para que as turnês passem pelas cidades. Apesar de terem sido citadas como cidades mais fáceis de se chegar, é frequente as queixas de moradores de Pernambuco e do Ceará pela ausência de apresentações. 

 

Em 2023, o Diário do Nordeste pontuou que, com o dólar mais caro, o pagamento dos cachês dos artistas se tornou, muitas vezes, inviável para produtores cearenses levarem os grandes nomes para Fortaleza. A mesma justificativa foi dada para o Diário de Pernambuco, em matéria feita em abril de 2023.

 

Registro foi compartilhado por Beyoncé ao desembarcar em Salvador em 2023 (Foto: Instagram)

 

Em uma comparação com o eixo Sul-Sudeste, o Nordeste perde quase de 7x1, sendo salvo pelos festivais. Caso contrário, o gol de Oscar aos 45 do 2º tempo contra a Alemanha na Copa do Mundo de 2014 não chegaria nem a existir. Só em 2023, por exemplo, a banda britânica Coldplay agendou 11 apresentações no Brasil, sendo todas elas no eixo Sul-Sudeste. Fora de Rio e São Paulo, a única cidade contemplada com a apresentação foi Curitiba (PR).

 

Já em 2024, o norte-americano Bruno Mars é o artista da vez a fazer uma "residência" no país. O intérprete de 'Locked Out of Heaven' agendou 14 apresentações no Brasil e só "fugiu" do eixo por incluir o Centro-Oeste na lista de shows com apresentação em Brasília. Com isso, o artista passará pelo Sudeste com shows no Rio, São Paulo e Belo Horizonte e pelo Sul com apresentação em Curitiba.

 

EQUAÇÃO DE TERCEIRO GRAU 
Para Tourinho, que já trabalhou com a gestão de carreira, imagem e desenvolvimento de negócios de algumas de personalidades brasileiras, a situação não é simples de explicar e a equação "Salvador x Shows Internacionais" requer uma dedicação ainda maior, que não compete apenas à gestão pública. 

 

"Existe uma questão de mercado que você não resolve da noite pro dia. Mas a gente tá trabalhando muito para reverter a situação e acredito que em breve a gente possa ver esse trabalho trazer frutos mais significativos. É claro que isso não é tão simplista. A gente tem um conjunto de desafios que a gente tem que ir vencendo. O primeiro deles realmente é de percepção. Percepção de que aqui é um mercado e aí as pessoas vão fazer e terem um mercado. Para eles terem sucesso. A Beyoncé vir para cá foi um sinal importante de relevância. Então, a gente tem que provocar essas experiências aqui, essas possibilidades. As pessoas têm que colocar isso aqui no roteiro".

 

Foto: Fernando Costa

 

Em 2024, Salvador já teve duas apresentações internacionais canceladas. A capital receberia os shows das bandas Magic! e The Calling no Festival WhatzPOP71, organizado pelo Popline. O show estava marcado para o dia 30 de abril na Arena Fonte Nova e foi adiado para o segundo semestre de 2024. De acordo com a produção do evento, o adiamento foi necessário devido a questões burocráticas de patrocínio.

 

PODER DE COMPRA 
Entre os fatores pontuados, além da falta de espaço e malha aérea está o questionamento: quem é o público pagante dos eventos de Salvador? 

 

O ponto mais polêmico já citado por artistas, público e empresários é o valor dos ingressos para shows no país. A exemplo dos grandes artistas nacionais, neste ano Ivete Sangalo e Ludmilla tiveram as turnês canceladas e a justificativa dada pela 30e, produtora responsável pelo show, foi a "falta de demanda". 

 

Foto: Rafa Mattei

 

Nas redes sociais, os dois espetáculos foram alvos de críticas pelos valores dos ingressos. A entrada mais exclusiva para o show de Ivete, por exemplo, chegava a custar R$ 3 mil. Em entrevista, o cantor Léo Santana lamentou a situação com Ludmilla e Ivete e citou a dificuldade enfrentada pelos artistas atualmente. 

 

"O mercado está preocupante, vender ingresso está difícil, mas a gente tem que ir para cima, fazer promoções, criar situações para as pessoas irem. A música tem essa incerteza, mas com vontade, amor, carinho tem tudo para ser sucesso", disse o pagodeiro.

 

Para se ter uma ideia, em um cálculo rápido, na época em que Beyoncé esteve em Salvador o valor do ingresso mais barato para o show da artista custava R$ 50 em um ano em que o salário mínimo era R$ 510.  Desta forma, quem foi curtir a Queen B no Parque de Exposições, comprometeu 9,80% da renda mensal no ingresso mais barato. Já quem investiu na Área VIP deixou 58,82% do salário para a artista norte-americana. 

 

O cálculo foi feito desconsiderando todos os gastos mensais de uma pessoa que recebe salário mínimo, sendo assim, despesas com a casa, alimentação, saúde e outras demandas essenciais, ficaram de fora.

 

Já em uma conta com o último show internacional de maior demanda na capital baiana, Paul McCartney, na Arena Fonte Nova, em 2017, o ingresso mais barato no formato meia entrada, custava R$ 95 na cadeira superior, o equivalente a 10,14% do salário, que na época era R$ 937.

 

Se seguir a regra e a meia entrada se referir ao estudante que ganha um salário reduzido, um estudante recebia algo em torno de R$ 468,50, e o ingresso para assistir ao ex-Beatle comprometeu 20,28%. Para curtir na Área VIP, um ingresso sem meia entrada estava no valor de R$ 750, e quem comprou comprometeu 80,04% do salário mínimo.

 

ALERTA NACIONAL 
A queixa do público também é notada pelo setor de entretenimento. Ao Bahia Notícias, um empresário que optou por falar no anonimato, afirmou que percebe a dificuldade na saída dos ingressos na capital baiana e citou a turnê inédita de Caetano Veloso e Maria Bethânia como exemplo.

 

A Bahia, estado dos irmãos Veloso, ficou de fora das datas extras por ter demorado a esgotar os ingressos do 1º show. “O poder de consumo é muito baixo aqui, o ingresso não pode ser caro. O ticket médio é alto. O show de Caetano e Bethânia demorou de esgotar aqui, no Rio tem 4 datas, em São Paulo tem 3, Recife tem duas datas”, afirmou.

 

O cálculo feito pelo empresário é de que para se ter uma casa cheia com um artista internacional é necessário se ter um público de 70 mil pessoas dispostas a pagar entre R$ 500 a R$ 600, valor de um ingresso para um show internacional atualmente. A exemplo do cantor Bruno Mars, que vai realizar mais de 10 shows no Brasil com ingressos que variam de R$ 235 (meia) a R$ 1.250 (inteira). 

 

Em Salvador, a média de público para shows internacionais é de 34 mil pessoas, tendo o menor show a banda A-ha, em 2022, com 15 mil pessoas na Arena Fonte Nova, e o maior show o de Paul McCartney com 53 mil pessoas no mesmo local. “Eu acredito que é realmente uma questão de poder econômico. É uma cidade que, infelizmente, não tem um público pagante de entretenimento muito alto”.

 

Foto: Breno Galtier/Divulgação

 

A movimentação do setor é percebida pelo público com o cancelamento de eventos que marcaram uma geração. Na Bahia neste ano, a não realização de algumas das maiores festas particulares de São João já gerou debate quanto ao formato dos eventos e valores dos ingressos. 

 

Na época, o empresário Rodrigo Melo conversou com o BN e deu a visão dele sobre o mercado de eventos no período junino com uma opinião que pode se aplicar no setor como um todo.  “Eu não acredito mais em eventos de grande porte, eventos em que você tenha que pagar o custo com mais de 20 mil pessoas. Eu não acredito pelo tamanho das estruturas que precisam ser montadas, pelo tamanho do artista, pelos cachês que são muito altos também. O bilhete não está pagando toda a estrutura que tem que ser montada para isso”, afirmou.

 

A opinião é similar a que foi dada pela cantora Anitta ao explicar o motivo de não realizar shows da turnê 'Baile Funk Experience' no Brasil. "Esse evento maior requer tempo e estrutura, e a galera não está muito a fim de pagar para ir em eventos desse tipo".

 

Angela Basset e Viola Davis ao lado de Margareth Menezes e Taís Araújo no Festival Liberatum (Foto: Twitter)

 

Para Tourinho, o trabalho da Prefeitura de Salvador se dá no apoio aos grandes eventos que exaltam a cidade e colocam a capital baiana como palco para receber projetos grandiosos. “A gente tem pautado Salvador internacionalmente, a vinda da Beyoncé, da Viola Davis. A gente tem atraído e apoiado festivais internacionais em Salvador, como Liberatum, como Afropunk, e a gente tem conversas abertas com produtoras internacionais para elas entenderem que Salvador é um destino para isso. A gente está nesse caminho”.