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Festa de Reis. A mãe de todas as festas

Por Nelson Cadena

Festa de Reis. A mãe de todas as festas
Foto: Acervo pessoal

Os Ternos e Ranchos de Reis nasceram na Lapinha, era lá que se apresentavam durante a Epifania, mas se popularizaram nas Festas do Senhor do Bonfim, Nossa Senhora de Santana, no Rio Vermelho, Santo Antônio da Barra, Nossa Senhora dos Mares de Amaralina, Itapuã ___ onde o Estrela D’Alva inovou criando o estandarte de veludo, bordado a ouro__ e, atravessando o mar, Nossa Senhora da Purificação e Itaparica.

 

Era nesses espaços que os grupos migravam após o 6 de janeiro, para animar as festas de verão, se apresentando na rua, em coretos e em residências particulares dos mais abastados. As do General Saturnino Ribeiro e Coronel Amado Bahia, em Itapagipe, dentre elas. Lá o Terno do Dia encerrava o desfile no sarau do Solar do comerciante de carnes verdes, hoje Museu do Sorvete. Apresentavam-se, ainda, na Praça 15 de novembro (Terreiro de Jesus) e na Praça do Conselho (Thomé de Souza), estendendo o desfile pela Rua Chile.

 

Costumo dizer que a Festa de Reis é a mãe de todas as festas. Pelo modelo de desfile implementado: formação por alas, porta estandarte (incorporado pelas escolas de samba, cordões, afoxés, blocos de carnaval e quadrilhas juninas), suas coreografias e pela sua característica territorial na sua origem e expansiva na sua exibição. Foi nos territórios barristas que se originaram as escolas de samba, blocos de fanfarra, afros e afoxés, blocos de índios, quadrilhas juninas e até os grupos que comemoravam o Dois de Julho temporão, fora de época, nos bairros. Sempre com jovens no comando das agremiações.

 

Os territórios de origem

Os principais territórios desses grupos foram Santo Antônio, Itapagipe, Garcia, Liberdade, Brotas. No caso específico dos Ranchos e Ternos de Reis, poucos surgiram na Lapinha, o Romeiros de Belém foi um deles, um dos mais aplaudidos no sábado da Festa do Bonfim. O distrito de Santo Antônio foi o território mãe. Lá se originaram as apresentações dos Ranchos e Ternos de Reis, o desfile do Dois de Julho e, nos anos 60 do século XX, alguns dos mais badalados blocos carnavalescos da classe média: Internacionais e Corujas.

 

A Festa de Reis, dito por Mello Moraes Filho (“criolada tafula, negrada folienta”) e Manoel Querino (“gente de poucos recursos e de humilde condição social”), era festa basicamente protagonizada pelo povo, a maioria afrodescendentes. Isso explica a predominância desses grupos nos territórios populares: No Garcia destacava-se o Terno Do Sol, presença certa na Festa de São Lázaro, Sol do Oriente, o Saloia e o Lyra Chorosa. Em Itapagipe, o Urubu-Dandi da Madragoa desfilava com crianças montadas a cavalo, o grupo animado pela Banda do Corpo de Bombeiros. O Estrela do Oriente da Saúde, o maior de todos, desfilou em 1902 com um carro alegórico representando o Egito.

 

Os Ranchos precederam os Ternos, a sua característica era a inspiração totêmica, expressa na indumentária colorida dos bichos que representavam. Dentre outros: Boi, Burrinha, Galo, Águia de Ouro, Avestruz, Jacaré, Cachorro, Garça, Gavião Guloso, Robalo, Sereia, Urubu Malandro, Pinacopeu, Pomba, Macaco, Urso, Pato (com integrantes da velha guarda dos Fantoches do Euterpe). Há registros dos Ranchos do Boi e da Burrinha, na década de 1860. Já os Ternos aparecem a partir da década de 1880. Os mais antigos: Sol do Oriente (Garcia), Estrela do Oriente (Saúde), Estrela D’Alva (Itapuã), Bela Aurora, Terno do Navio e Terno da Terra.

 

Mangabeira e Climério de Oliveira

A partir de 1910 reina o Arigofe, originário da Ladeira do Alvo, o terno formado por negros altos e esbeltos e mulatos vestindo cartolas pretas na cabeça, roupa branca com gola escura e gravata borboleta, e com repertório musical diferenciado. Um cronista de época os definiu como “negros paramentados”, ao estilo de New Orleans. Portavam um babalotim, como os afoxés, o boneco símbolo (negro de cartola de olhos azuis), hoje sob a guarda do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. Colecionou mais de trinta medalhas. O ex-governador Octávio Mangabeira, foi um de seus integrantes e quando chefe do executivo estimulou o seu retorno com o nome de Filhos do Arigofe.

 

O Bacurau foi seu grande rival. Estabelecendo um BAVI de torcidas. Quem não era Arigofe, era Bacurau. Originário da Estrada da Rainha e Baixa de Quintas estreou na Lapinha com um estandarte emprestado por um afoxé. Chegou a se apresentar no palco-presépio da Loja Duas Américas, na Rua Chile. A sua charanga tinha mais componentes do que a ala dos pastores. Em 1945 estreia o Rosa Menina, outro ícone da Festa de Reis, originário da Cruz da Redenção, em Brotas. Na sua composição tinha muitas crianças negras e mulatas. Rivalizava com o Bem-Te-Vi, dissidência do Bacurau, o Terno dos Astros e o Terno da Terra.

 

Um respeitável médico baiano, Climério de Oliveira foi um dos compositores das músicas interpretadas pelo Terno de Amaralina. Autor das letras. Os Ternos de Reis começam a perder prestígio quando seus integrantes migraram para os cordões e blocos de Carnaval, a partir da década de 1950. Os músicos buscavam maior remuneração e reconhecimento. Uma tendência originada na década de 1920, quando alguns ternos introduziram no seu repertório sambas e marchas. Um deles foi o badalado Mamãe Sacode, formado por estudantes que calçavam tamancos e portavam vassourinhas. Era Terno de Reis, mas caracterizava de fato um cordão carnavalesco.

 

*Nelson Cadena é escritor e jornalista

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias