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Marca Bahia Notícias

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No mês da Consciência Negra, blocos afro revivem incertezas e o drama da falta de apoio 

Por Jamile Amine

No mês da Consciência Negra, blocos afro revivem incertezas e o drama da falta de apoio 
Foto: Rosilda Cruz / Secult

Nesta terça-feira (20), Dia da Consciência Negra, um incidente marcou negativamente a data, pondo em evidência as dificuldades pelas quais passam os blocos afro de Salvador, ano após ano. A tradicional Caminhada da Liberdade, organizada pelo Fórum de Entidades Negras da Bahia, foi cancelada por falta de patrocínio (clique aqui e saiba mais). “São 18 anos de Caminhada, mas nós não tínhamos como fazer esse ano sem ter grana suficiente na mão. Tinha estrutura de trio, de lanche, de água, mas não tinha o dinheiro para poder pagar o pessoal. E aí aparece uma discriminação que nós negros tanto combatemos. São mais de 50 músicos, tem o pessoal da corda que protege eles, tem a segurança, e tudo isso é um custo, equivalente a R$ 30 mil, e a gente não conseguiu algumas parcerias com os órgãos públicos, então esse foi o resultado”, disse Antônio Carlos dos Santos, o Vovô, presidente do Ilê Ayiê e integrante do Fórum.

 

Coincidentemente, também nesta semana, o Diário Oficial do Município estampou atos que tornam sem efeito diversos contratos de patrocínio referentes ao Carnaval de 2018, firmados entre blocos afro e a Empresa Salvador Turismo (Saltur), vinculada à prefeitura de Salvador. Segundo a assessoria de imprensa do órgão, trata-se apenas de uma adequação às leis federais já que, para fechar o caixa, os projetos com problemas de documentação tiveram que ter seus contratos cancelados. 

 

“Foi feito um cancelamento e foi substituído por outra ação. Não foi feito o cancelamento por falta de documentação, não. O ato administrativo não afetou em nada o que nós tínhamos combinado”, afirma João Jorge, presidente do Olodum, destacando que o principal ponto a ser discutido com relação à cultura no momento é, na verdade, o incidente da última terça. “Dia da Consciência Negra na cidade com a maior população negra do país, o evento não foi realizado por falta de patrocínio privado e público”, critica o dirigente, apontando um futuro nebuloso para os blocos afro. “No Carnaval que vem, no verão que vem, será um drama. Porque há menos recursos da prefeitura, governo do Estado, do Brasil, das empresas, e há a necessidade de se financiar o Carnaval, o verão, isso e aquilo outro. Vai ser muitas vezes mais difícil do que o Carnaval desse ano, e do que o cancelamento de ato administrativo”, destaca.

 


João Jorge destacou ainda o papel do Olodum para promover a Bahia no mundo | Foto: Divulgação

 

Citando a crise do turismo em Salvador, que culminou no fechamento de hotéis tradicionais, João Jorge alerta para o possível colapso de grande parte da atividade econômica na cidade. “Salvador é uma cidade que vive de turismo, da cultura e dos serviços. Se esses setores não entenderem que precisa fazer o recurso circular, nós teremos mais hotéis fechados no verão, mais restaurantes fechados, menos táxis circulando, menos notícias pra dar. O que está havendo, e não é de agora, tem mais de 20 anos, é um modelo em que o recurso circula pouco. O patrocínio vem basicamente de São Paulo e Rio e sempre é direcionado para alguns setores. E os setores mais populares, que não podem aumentar preço, terminam não tendo como se financiar”, avalia o presidente do Olodum, que também tenta sensibilizar os empresários para a importância de apoiar as manifestações culturais. “Não é somente governo do Estado, governo federal e a prefeitura que têm que financiar cultura ou Carnaval, festas, eventos, ou atos históricos”, defende. “O que há com as empresas que estão instaladas na Bahia, em relação a patrocinar eventos, a patrocinar cultura? Uma pergunta: aqui tem bancos? Aqui tem shoppings? Aqui tem empresa de telefone? Aqui tem empresa que vende absorvente, leite em pó, palito de dente, sabonete, shampoos? Quem é que consome esses produtos?”, questiona, lembrando que mesmo diante do horizonte crítico, o Olodum segue suas atividades, promovendo shows e ensaios, além de se prepara para o Carnaval. "Estamos enfrentando dificuldade e ainda assim estamos indo à luta", afirma.

 

Diante da realidade cada vez mais dramática, o presidente do Afoxé Filhos de Gandhy, Gilsonei de Oliveira, no entanto, demonstra impaciência e incredulidade com relação ao apoio das empresas, mas diz estar confiante na parceria com os governos. “Deixa eu te falar, por que eu tenho que dar essa informação pra imprensa, se recebeu ou deixou de receber? Não, a gente resolveu, a gente está resolvido com a prefeitura”, disse ele, sobre o patrocínio referente ao “Do Cais do Porto para o Mundo”, ação que está entre os projetos que tiveram o contrato tornado sem efeito pela Saltur.  “Eu acho que a iniciativa privada está muito voltada pro axé, na questão da visibilidade de Ivete [Sangalo], de Bell [Marques], nos horários que eles saem. Eu nunca vi essa iniciativa privada olhar pela gente. Tirando a cervejaria Schincariol que já é nossa parceira há 17 anos, eu não tenho expectativa mais nenhuma. É a única que ainda tem a sensibilidade com nossa cultura, pra um olhar de apoio”, afirma, sem esconder a preocupação com o futuro do bloco, que vai completar 70 anos em 2019. “Os bancos não estão patrocinando, a gente não sabe como é que vai ficar essa mudança de governo, tem essa crise que já se arrasta há muito tempo, mas a gente está confiando que o governo do estado e a prefeitura venham dar esse suporte, principalmente para os blocos afro, pela necessidade que a gente tem em dar continuidade à nossa existência. Os Filhos de Gandhy, como sendo o pioneiro, têm uma expectativa muito grande de receber ajuda dos dois governos”, reitera.

 


Presidente dos Filhos de Gandhy não acredita que o o setor privado vá dar apoio aos blocos afros e aposta na parceria com a prefeitura de Salvador e o governo da Bahia | Foto: Marcelo Guedes / Ag. Haack / Bahia Notícias

 

Alberto Pitta, presidente do Cortejo Afro, que figura entre os blocos que também tiveram contratos tornados sem efeito pela Saltur, informou que o problema com a prefeitura foi solucionado. “Já foi resolvido, no caso do Cortejo sim, os demais eu não sei. Eu não sei nem porque saiu isso. Eu não tenho problema nenhum. Por isso que eu digo que está resolvido. Não foi cancelado nada. A prefeitura não deve nada ao Cortejo Afro”, afirma o dirigente, que disse estar cansado de falar sobre a falta de patrocínio. “Esse ano eu não quero falar sobre isso. Eu vou deixar pra Vovô continuar falando, e pra João Jorge também. Eu não vou falar sobre o que todo mundo sabe. O que eu vou fazer é o que faço sempre, vou atrás de patrocínio, do dinheiro, buscar viabilizar, como faço há 20 anos, a saída do Cortejo Afro”, diz ele, sugerindo que agora parta dos veículos de comunicação uma crítica contundente. “Não adianta ficar chorando. Eu acho que poderia partir de vocês, da imprensa, a partir de uma análise e de tudo que vocês já têm aí durante anos. Porque todo ano a gente recebe esse telefonema, e eu já disse em reuniões de blocos afro que eu não quero mais falar sobre isso”, diz Pitta. “Se parte um editorial da parte de vocês, talvez seja melhor. Faz uma análise e alguém escreve um artigo sobre. Eu acho que é melhor do que Vovô continuar chorando, se lamentando e se angustiando”, explica.