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Marca Bahia Notícias

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Escritor Luiz Ruffato critica desigualdade no Brasil e divide opiniões em abertura da Feira de Frankfurt

Por Agência Estado

Escritor Luiz Ruffato critica desigualdade no Brasil e divide opiniões em abertura da Feira de Frankfurt
Foto: Divulgação
Antes de embarcar para Frankfurt, o escritor Luiz Ruffato, um dos preferidos dos leitores alemães, já tinha dito que seu discurso de abertura da 65ª edição da maior feira de livros do mundo incomodaria. E incomodou na mesma medida em que encantou o público, ao fazer referências à história e à situação atual do país. “O que significa ser escritor em um país situado na periferia do mundo, um lugar onde o termo capitalismo selvagem definitivamente não é uma metáfora? Para mim, escrever é compromisso.” Foi assim que Ruffato  começou sua fala, em que resgatou as raízes do país e tratou da violência e da discriminação em todas as suas formas. “Nascemos sob a égide do genocídio”, disse. E foi além: “Se nossa população é mestiça, deve-se ao cruzamento de homens europeus com mulheres indígenas ou africanas – ou seja, a assimilação se deu através do estupro das nativas e negras pelos colonizadores brancos”.
 
O escritor não economizou em estatísticas de violência e de suas consequências, sem deixar de ressaltar que houve avanços. Ele terminou o discurso dizendo que acreditava, “talvez ingenuamente”, no papel transformador da literatura. “Filho de uma lavadeira analfabeta e de um pipoqueiro semianalfabeto, eu, mesmo pipoqueiro, caixeiro de botequim, balconista de armarinho, operário têxtil, torneiro mecânico, gerente de lanchonete, tive meu destino modificado pelo contato, embora fortuito, com os livros. (...) E, se a leitura de um livro pode alterar o rumo da vida de uma pessoa, e, sendo a sociedade feita de pessoas, então, a literatura pode mudar a sociedade”. Ruffato foi aplaudido por um minuto – algumas pessoas aplaudiram de pé. Nenhum dos presentes – a maior autoridade da Alemanha foi Guido Westerwelle, ministro das Relações Exteriores, que defendeu uma cadeira permanente para o Brasil no Comitê de Segurança da ONU e elogiou o recente discurso sobre espionagem feito pela presidente Dilma Rousseff nos Estados Unidos – conseguiu tal feito.
 
O vice-presidente brasileiro, Michel Temer, por sua vez, foi até vaiado ao final de sua fala. Talvez inspirado pelo discurso de Ruffato, talvez para responder às firmes críticas que o escritor fez ao Brasil, Temer decidiu contar parte de sua história de vida, mais precisamente a de sua transformação em leitor. Foi uma professora que dizia que a literatura o levaria para longe de onde morava a sua grande inspiradora. Temer falou sobre política, democracia e situação atual do país. “O Brasil cresceu muitíssimo em um prazo mínimo de 25 anos. É interessante ver que pessoas que estavam na quase pobreza absoluta cresceram socialmente. E, hoje, aqui, nós tivemos mais um exemplo disso”.
 
No discurso que Temer preparou e não fez, e que foi distribuído em inglês, alemão e português na cerimônia de abertura, não havia o comentário e nem referência à sua carreira de escritor. Ele já estava nos agradecimentos finais quando não resistiu e confessou: “Eu já tinha escrito livros técnicos, quando cometi uma ousadia literária e escrevi um livro de poemas. Publiquei timidamente e não recebi críticas. Não recebi elogios, mas não recebi críticas, o que já é uma grande coisa para quem está na vida pública”, declarou, ao citar o recente Anônima Intimidade (Topbooks).
 
"Em uma cerimônia oficial, um vice-presidente não pode fazer um discurso de improviso”, comentou o escritor Ziraldo. Ele também não gostou da fala de Ruffato. Considerou-a inapropriada. “Aqui não era o lugar. Ele deu todos os dados da miséria brasileira, que encontramos no Google. Se fosse em Doha, tudo bem”, comentou, referindo-se ao Fórum Econômico Mundial. Quando Ruffato terminou e a plateia começou a aplaudir, Ziraldo, com dedo em riste, disse: “Não tem que aplaudir!”. Gostou, porém, da participação de Ana Maria Machado, que também discursou e sugeriu que a plateia não procurasse exotismo e confirmação de clichês na literatura brasileira.

O discurso de Ruffato agradou ao escritor Paulo Lins. "Ruffato me representa e esse discurso talvez seja a melhor coisa que venha a acontecer nessa feira”, disse. “Fiz um discurso em homenagem ao meu pai e à minha mãe, que já morreram. Eles eram a parte mais esquecida da sociedade brasileira”, disse Luiz Ruffato ao Estado.