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Tebet acerta ao comprar briga para desvincular Previdência e salário mínimo, diz Felipe Salto

Por Adriana Fernandes | Folhapress

Tebet acerta ao comprar briga para desvincular Previdência e salário mínimo, diz Felipe Salto
Foto: Agência Senado

O economista-chefe da Warren Investimentos, Felipe Salto, diz à reportagem que a ministra Simone Tebet (Planejamento) acertou ao comprar a briga pela desvinculação dos benefícios da Previdência Social da correção do salário mínimo. Para ele, a proposta deveria ser implementada caso a caso.
 

"Podemos discutir outros tipos de indexação para o BPC [Benefício de Prestação Continuada], para o abono salarial, para o seguro desemprego, para a renda mínima vitalícia… Discute caso a caso, para isso que tem um orçamento. É o que o governo deveria discutir com o Congresso todo ano, e não emenda parlamentar", propõe Salto, ex-secretário de Fazenda de São Paulo.
 

Na entrevista, ele alerta para o risco da volta da contabilidade criativa na mudança das metas fiscais pelo governo Lula a partir de 2025. "É um gol de mão", diz. Para ele, é preciso sair do rame-rame da discussão da meta fiscal e acender o farol alto da política fiscal.
 

*
 

PERGUNTA - Como avalia o debate de revisão de gastos que é sempre prometido, mas nunca avança de verdade?
 

FELIPE SALTO - Eu sou São Tomé. O governo está fazendo alguma coisa nessa matéria? Não, vamos ser realistas. O que a Secretaria de Monitoramento está fazendo para valer? Eu não vi nada de relevante sendo incorporado ao processo orçamentário até agora. Cadê as avaliações que o CMAP [Conselho de Monitoramento e Avaliação de Políticas Públicas] fez nos últimos cinco anos? Desengaveta e vamos introjetar na LDO.
 


 

P - Onde dá para cortar?
 

FS - Dá para cortar todo o gasto. Ao longo do tempo, qualquer gasto é redutível, mas é preciso avançar na agenda da desindexação e da desvinculação. Eu pegaria os principais programas para começar.
 

A ministra Simone Tebet [Planejamento] está certa ao falar da Previdência. Pegou os grandões [gastos]. Tem que discutir a desindexação de benefício social e correções automáticas em geral. Ela já falou algo nessa linha, ponto para ela.
 


 

P - A ministra consegue emplacar essa agenda?
 

FS - Aí, é outro problema. É um político. Mas ela acertou ao comprar essa briga. Por que desindexar? Por que a gente é contra o gasto social? Não. Por uma razão econômica. O salário mínimo é uma política de mercado de trabalho. Se inventou a política de salário mínimo para garantir que os salários evoluíssem, pelo menos, de acordo com a produtividade.
 

Só que, aqui no Brasil, a regra do salário mínimo não é pela produtividade é pelo PIB de dois anos antes, mais a inflação. E, como se não bastasse ser ruim a regra, ela serve de indexação para um monte de gasto social. Cada um real de aumento no salário mínimo são R$ 400 milhões de gastos anualizados. Só de fazer a desindexação, você já tem um efeito importante sobre o Orçamento.
 


 

P - Uma mudança desse tipo não estaria retirando uma garantia para a população com renda menor?
 

FS - Não, porque podemos discutir outros tipos de indexação para o BPC [Benefício de Prestação Continuada], para o abono salarial, para o seguro desemprego, para a renda mínima vitalícia… Discute caso a caso, para isso que tem um Orçamento. É o que o governo deveria discutir com o Congresso todo ano, e não emenda parlamentar.
 

Mas tem mais, sim, onde cortar. Tem que cortar o gasto tributário. Nisso aí o [ministro Fernando] Haddad está certo. Tem meio trilhão de reais de gasto tributário. 'Ah, mas gasto tributário não é despesa'. É sim, é dinheiro que está sendo deixado sobre a mesa. Eu faria um escrutínio de todos os programas orçamentários, todos. Não é só Previdência e BPC.
 

Dizem: é difícil. É. Mas é muito mais fácil ser igual ao Silvio Santos e jogar dinheiro para cima, que é o que o Congresso está fazendo dia e noite.
 


 

P - É bom começar pela Previdência?
 

FS - É, porque é grande e tem o problema óbvio da indexação. Reajuste do servidor é um outro problema. Mas na política de pessoal, não necessariamente o governo vai conseguir economizar no curto prazo. Teremos de fazer uma política de reforma administrativa para valer.
 

Reforma administrativa não é necessariamente reduzir o gasto de pessoal. Temos áreas que estão totalmente desguarnecidas e que ficaram no limbo durante anos. Vai precisar de recomposição salarial, vai precisar de concurso.
 


 

P - Como avalia a mudança da trajetória das metas?
 

FS - Haddad acertou muito com o novo arcabouço fiscal. Isso é importante repetir porque todo mundo criticou. Agora, acho que o ministro e a sua equipe estão errando. Eles fixaram uma trajetória extremamente ousada para o resultado primário das contas do governo.
 

Na época, eu falei para membros da equipe que aquela trajetória não iria se verificar: zero [2024], 0,5% [2025], 1% [2026]. Saiu da cachola, porque eles queriam passar credibilidade. Eles deveriam ter calibrado melhor, na saída, essas metas. Nem achava que a mera mudança da meta de 2025 seria o fim do mundo. Até porque a meta de 0,5% não estava escrita em lugar algum. Era uma meta indicativa.
 


 

P - Qual, então, é o maior problema?
 

FS - Quando enviaram o PLDO [Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias] de 2025. Eles não fizeram só uma redução de 0,5% do PIB para zero. Veio um compromisso mais frouxo. Foi para um déficit de 0,57% do PIB.
 

Eles usaram a decisão do Supremo para o pagamento de precatórios e resvalaram na chamada contabilidade criativa. Colocaram na meta de primário de zero o abatimento de até R$ 39,9 bilhões com o pagamento de precatórios. Então, a meta não é zero. Como tem a banda 0,25% do PIB [de margem de tolerância], que dá uns R$ 30,5 bilhões, o governo pode, na verdade, fazer um déficit de mais de R$ 70,5 bilhões, que dá os 0,57%.
 

Foi o maior erro que eles cometeram até agora. Uma perda de credibilidade enorme. Até agora eles estavam acertando.
 


 

P - Por que o governo fez isso?
 

FS - Não quiseram fazer uma mudança no papel muito agressiva. Só que essas coisas não enganam os especialistas. A gente vai lá e faz conta. Para fins de verificação da meta de primário, ele vai subtrair R$ 39,9 bilhões. É um gol de mão. Dá para corrigir ainda. Estão querendo enganar quem?
 

A equipe econômica não teria feito isso se não fosse para acalmar os ânimos de quem quer uma política fiscal com maior lassidão. O risco da contabilidade criativa é começar a sinalizar metas fiscais diferentes dos resultados que você realmente quer produzir. É zero só no papel.
 


 

P - O que pode ser feito?
 

FS - Precisamos de uma reforma orçamentária. Essa coisa de ficar discutindo o rame-rame de meta fiscal, de meta de primário, se é zero, se é 0,5%, é importante no curtíssimo prazo, porque é o compromisso que o governo sinaliza. Só que é preciso ligar agora o farol alto. Superar a discussão de regras. Fixar uma regra clara e cumprir. Ponto final.
 

Nós estamos deixando passar um mastodonte aqui no meio da sala, preocupados com uma formiguinha.
 


 

P - Você acha que a meta é uma formiguinha? Não está sendo contraditório?
 

FS - Vamos nos entender. A meta é importante. Só que tem algo muito mais importante, que é uma reforma fiscal e orçamentária. Tem que acabar com a emenda parlamentar impositiva. Já estão levando mais de R$ 50 bilhões. É um naco e tanto, igual a todo o programa de investimentos do governo.
 

Não existe emenda impositiva. Ou o orçamento inteiro é impositivo ou não é. Não existe gasto que tem privilégio em relação a outro gasto. Agora, temos que ter uma reforma orçamentária da Lei 4.320 [de 1964, que traz as normas para elaboração e controle dos orçamentos].
 


 

P - Qual a chance de mudança? Os parlamentares gostaram desse modelo das emendas e querem cada vez mais aumentá-las.
 

FS - Toda reforma, quando vai se discutir, nunca tem chance. A Lei 4.320 foi recepcionada pela Constituição de 1988 e até hoje não foi substituída por uma nova lei de finanças públicas. E esse projeto de lei complementar foi engavetado pelo Rodrigo Maia [ex-presidente da Câmara]. Era do ex-senador Tasso Jereissati.
 


 

P - Era uma outra realidade. Os parlamentares vão votar contra as emendas deles?
 

FS - É o Executivo que tem iniciativa nesta matéria. Ele é que tem que liderar. Por isso a minha crítica a esse governo. Eles não têm essa percepção clara da importância do tema fiscal. Eles acham que o fiscal é só para inglês ver. E não é.
 

O fiscal é a chave para crescer. Eles acham que a responsabilidade fiscal é para o mercado ficar quieto. Tem que discutir planejamento. Tem que discutir qualidade de política pública.
 


 

P - No 2º relatório bimestral, o governo desbloqueou despesas, mas aumentou a previsão de déficit. O que achou?
 

FS - O governo apresentou ainda um cenário fiscal bastante róseo para o ano de 2024. As receitas líquidas projetadas foram até revisadas para cima, em mais de R$ 6 bilhões, com uma alta real estimada para o ano de mais de 10% acima da inflação.
 

Na Warren, projetamos crescimento real para as receitas na casa de 7%, que já é bastante elevado, inclusive considerando o excelente desempenho do primeiro quadrimestre, que contou com volume elevado de receitas não recorrentes, a exemplo da tributação dos fundos fechados. Equipe econômica está apostando em cumprimento da meta, mas o quadro, mesmo com as receitas infladas, está apertado
 


 

P - Acredita que a meta de 2024 será alterada?
 

FS - Eu acho que tem uma chance, mas não é o meu cenário base. Para entregar o déficit de 0,25% em 2024, será preciso encontrar mais R$ 40 bilhões em receitas ou cortes de gastos.
 

As minhas contas levam em conta um contingenciamento neste ano, mas baixo, de menos de R$ 10 bilhões. O governo vai fazer isso e está disposto a fazer mais? Não se ouve uma palavra sobre isso. Também não veio até agora a decisão do TCU sobre o limite do contigenciamento na LDO. A qualidade da LDO, aliás, piorou muito. Está inchada.
 

*
 

RAIO-X
 

Felipe Salto, 37
 

Economista-chefe da Warren Investimentos. Ex-diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado e ex-secretário de Fazenda do Estado de São Paulo.