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Entrevista

Marcela de Marins, analista ambiental do ICMBio

Por Bruno Luiz / Edvan Lessa

Marcela de Marins, analista ambiental do ICMBio
Foto: Edmar de Lima de Carvalho/ICMBio
Quase 20% de sua área total consumida pelo fogo. Mais de 23.000 hectares transformados em cinzas. Este é o saldo atual dos incêndios que fazem o Parque Nacional da Chapada Diamantina (PNCD) agonizar desde setembro, quando chamas vorazes começaram a atingi-lo sem parar. Entretanto, o fogo na unidade de conservação criada em 1985 pode ser uma tragédia anunciada. De acordo com a analista ambiental do Instituto Chico Mendes de Conservação Ambiental (ICMBio), administrador do PNCD, Marcela de Marins, a seca severa, como a vivida em 2015, é o combustível perfeito para incêndios como este. Com isto, os investimentos em prevenção deveriam ser maiores, mas, na prática, não é o que acontece. “Os recursos para a área ambiental no Brasil são muito reduzidos. É difícil os parques saírem dessa precariedade se somos tão negligenciados”, critica em entrevista ao Bahia Notícias. Ela espera, entretanto, que os incêndios na Chapada despertem a atenção das autoridades. “Espero que os incêndios na Chapada possam ser usados como exemplo”, afirma.

Como está a situação atualmente na Chapada Diamantina? Há novos focos de incêndio?

Nós não temos novos focos, estamos cuidando basicamente de duas áreas. Uma na região Norte, entre as cidades de Palmeiras e Lençóis, a região da Serra do Veneno. O outro foco é na região Sul, conhecida como Macho-Bongo. Essa região Norte não tem propriamente um incêndio, são vários pontos de fumaça que estão espalhados nesta região. São locais que a gente chama de turfa. São folhas mortas, que vão queimando debaixo da terra. Tem que ter um cuidado, demanda um esforço maior. O outro local que estava crescendo muito, mas que foi controlado, foi nesta região do Macho-Bongo. Tivemos, nesta segunda, 85 homens combatendo e, no fim desta tarde, a informação que tivemos é que este esforço foi bem sucedido e que o fogo foi controlado. Agora, a gente vai fazer o monitoramento, até declarar que o fogo está extinto.

Vocês ainda continuam em alerta? Há perspectiva do surgimento de novos focos de incêndio na região?
Enquanto a gente estiver vivendo esta fase de seca, neste ano é época de El Niño, as chuvas que já eram para ter chegado há um mês ainda não vieram. A gente está em um momento bem crítico e, que havendo o surgimento de outros incêndios, seja via criminosa ou através de raios, sabemos que o potencial destes incêndios é bem alto e, portanto, continuamos em alerta. Mas, por enquanto, ainda continuamos neste combate aos incêndios, a gente nem conseguiu respirar ainda.

A origem do fogo já foi descoberta? Foram incêndios criminosos ou provocados por este tempo de seca?
A seca, por si só, não provoca incêndios. Ela é um fator que agrava a dificuldade dos incêndios. Se for uma época úmida, ele não vai se alastrar muito, talvez acabe por si só. A gente escuta muito isto: “ah, a culpa é da seca”. Não é que a culpa seja da seca, o incêndio sempre tem origem no ser humano, que vai lá e coloca fogo, e, em menor proporção, por raios, que seriam as causas naturais.


Foto: Divulgação/ ICMBio

Com base na frequência que esses incêndios acontecem, como fica a avaliação sobre a atuação do estado no combate ao fogo? O esforço empenhado foi o suficiente?
Eles deram um apoio muito grande. Principalmente a questão do combate aéreo. Eles apoiaram tanto com helicópteros, quanto com air tractors. Mas, para tornar as ações mais eficazes, ainda precisamos de melhorias. Melhorias na comunicação seriam muito importantes. Em sistemas de rádio, telefone via satélite, para ter melhor comunicação com as equipes em campo. A comunicação atualmente é bem precária. A gente tem dificuldade em saber se as equipes tem alguma necessidade. Algo importante também seria a capacitação das brigadas voluntárias. Eles foram extremamente importantes neste combate ao fogo na Chapada. A gente conta com 14 brigadas voluntárias no entorno do parque. São pessoas que dominam a regiões, as técnicas de combate adequadas, têm empenho e disposição, são muito importantes. Todos os combates têm sempre participação de voluntários, mas a gente tem dificuldades, como o fato de estas brigadas estarem sempre se renovando. É importante ter a capacitação. A capacitação é sempre interessante. Quanto mais qualificado eles tiverem, melhor trabalho farão. Poderiam ser feitos também planos municipais para combate a incêndios. Algo que também poderia colocar é o fortalecimento do subcomitê de incêndios na Chapada.

O Inpe monitora as queimadas desde 1998 e todos os órgãos responsáveis são notificados, se quiserem. Como pode haver tanta demora em conservar áreas que o estado escolheu proteger, sendo que há informação que possibilite isso?
Eu acredito que é uma questão mais ampla. Os recursos para a área ambiental no Brasil são muito reduzidos. O Ministério do Meio Ambiente tem o segundo orçamento mais reduzido, só ganhando do Ministério da Cultura. Este ano, tivemos R$ 300 milhões para todos os parques de conservação. Temos muitas atividades de pesquisa, combate e conservação. O orçamento votado no Congresso é muito reduzido. A sociedade clama para ver os parques funcionando, mas o Congresso vota um orçamento reduzido e a gente tem que se virar com isso. É uma quantidade de funcionários pequena para tantas atividades. Vivemos em uma precariedade muito grande. É difícil os parques saírem dessa precariedade se somos tão negligenciados.



Foto: Tayne Luz / Jornal da Chapada

Qual a dimensão dos incêndios na Chapada Diamantina? Quanto tempo fauna e flora devem levar para se recuperar?
Ao longo do ano, queimaram 30.176 hectares, o que equivale a 19,83% da área total do parque. Só que fazer o balanço de quanto tempo será de recuperação é difícil, pois o parque não tem um só tipo de vegetação. Ele tem áreas de campo, florestas, cerrado, entre outras. Cada fisionomia dessas terá um comportamento diferente. A maioria dos incêndios aconteceu em vegetação que já tem resistência ao fogo, mas tivemos, este ano, áreas que nunca haviam queimado. Áreas de florestas que levam anos para se recuperar, décadas até para poder se recuperar. Já as áreas de campo, podem se recuperar em meses, já que são mais resistentes ao fogo.  

Já há em vista algum plano de recuperação da vegetação atingida pelos incêndios na região?
Ainda não há este plano, mas pensamos em fazer uma discussão sobre isto. Para essas áreas de campo, não teria muito necessidade, por serem áreas adaptadas ao fogo. Para as áreas de floresta, vale a pena monitorar, fazer algum tipo de restauração. Só que não podemos fazer isto sozinhos. Nós não temos recursos para isso. Teríamos que ter apoio de universidades, de voluntários, investimentos do governo, um esforço coletivo.

Numa busca pelo diretório de grupos de pesquisa cadastrados no CNPq não encontramos qualquer equipe que estude incêndios, queimadas ou produza conhecimento para a tomada de decisão nesse sentido. Sabemos que não há falta de conhecimento sobre o problema, mas até que ponto a comunidade científica baiana poderia ajudar o Estado num momento tão dramático quando o vivido desde setembro?
É uma discussão que a gente pretende iniciar no ano que vem. Já existem alguns locais no Brasil que usam o chamado manejo integrado de fogo, um conjunto de ferramentas que você utiliza nas unidades de conservação. Existe em função de diversos estudos feitos em diversos locais do mundo, aplicados há vários anos. Precisamos estudar regime climático, pensar diversas estratégias para trabalhar com fogo na região. São pesquisas feitas e que se traduzem nesse conjunto. São uma série de ações e técnicas que podem ser utilizadas para o combate ao fogo. Isso já vem sendo aplicado no Brasil com sucesso. Eu tenho expectativa, pelos bons resultados, que isso tenha sucesso aqui.

Os incêndios, ademais, não são exclusividade do Vale do Capão ou de qualquer outra região da Chapada. Então, como conservar outras áreas protegidas da Bahia, mas que não têm tanto apelo e importância quanto o Parque, e sofrem com queimadas?
Acho que a questão das queimadas não é só ambiental. Tem também uma questão de segurança pública. Eu acho que é preciso investir mais em medidas de prevenção. Toda a população tem uma parcela de responsabilidade. Os países que têm terremoto fazem treinamentos com a população, de como se comportar. A gente teria que fazer algo do tipo, para ensinar as pessoas a como se proteger. Investir mais em medidas de prevenção, de fiscalização. A maioria dos incêndios é criminosa. O trabalho que uma pessoa sozinha mobilizou com esses incêndios, gastou-se muito dinheiro, dinheiro público. É um dano para coletividade, para sociedade. Aqui na Chapada, teve todo um impacto no turismo, as atividades econômicas foram afetadas. Além do débito público, tem todos esses problemas. Independentemente deste incêndio, a gente está em período de El Niño, entra em curso a questão de equipamentos, contratação de aeronaves, medidas emergenciais. A gente está se preparando para conseguir ter condições de atravessar essa época. Até março, a previsão é de que a seca continue.


Foto: Mateus Pereira/GOVBA

Com toda a repercussão que este incêndios na Chapada Diamantina tiveram, você tem expectativas de que o poder público invista mais nas unidades de conservação?
Foi um aberto um inquérito do MPE e do MPF para averiguar o incêndio e espero que ele continue no ano que vem. A questão dos incêndios tem que ser cuidada o ano inteiro. Os meses sem fogo são os meses de prevenção. Espero que os incêndios na Chapada possam ser usados como exemplo, para que possam fazer com que sejam verificadas as condições dos institutos, para que a gente tenha um volume maior de investimentos.