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De olho na adoção tardia e de PCDs, TJ-BA lança campanha de adoção: ‘Filhos são eternos bebês’

Por Camila São José

De olho na adoção tardia e PCD, TJ-BA lança campanha de adoção: ‘Filhos são eternos bebês’
Foto: Camila São José/Bahia Notícias

Neste 25 de maio, data em que se comemora o Dia Nacional da Adoção, o Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA) lançou a campanha “Filhos são eternos bebês”. A iniciativa chama a atenção da sociedade para a adoção de crianças e adolescentes entre 7 e 17 anos, com deficiência ou doenças crônicas, além dos grupos de irmãos. A cerimônia foi realizada na Arena Parque Santiago, em Salvador, nesta quinta-feira. 

 

“É uma importância relevante, porque nós temos uma gama da população infantojuvenil nas instituições e que precisa, essa população, da atenção da sociedade, seja por intermédio da adoção tardia, seja por intermédio da adoção de grupo de irmãos ou a adoção de pessoas com problemas de saúde. Se por acaso essa solicitação do tribunal se tornar inexitosa, não ocorrer a adoção, aberto está o viés do apadrinhamento”, pontuou o coordenador da Infância e Juventude (CIJ) do TJ-BA, desembargador Salomão Resedá.

 

Coordenador da Infância e Juventude (CIJ) do TJ-BA, desembargador Salomão Resedá | Foto: Camila São José/Bahia Notícias

 

Citando dados do Sistema Nacional de Adoção, o magistrado aponta que atualmente no Brasil existem 35 mil pessoas pretendentes à adoção e 3 mil crianças e adolescentes em condições de serem adotadas. “Veja a diferença, veja a disparidade”, alertou. No recorte para a Bahia, são 1.200 pretendentes e 198 crianças disponíveis. 

 

“Por que isso? Essa é a pergunta. Por causa da preferência. Nós só queremos adotar crianças recém-nascidas e isso faz com que haja uma retenção, metaforicamente falando, de crianças e adolescentes nas instituições e o número de pretendentes vai aumentando. Daí vem a campanha, para que a gente sensibilize a população para esse aspecto da vida social”, destacou. 

 

Ao Bahia Notícias, o presidente do TJ-BA afirmou que a campanha reflete a sua própria história de vida. “É um dever moral do Tribunal de Justiça, é uma campanha que tem cunho social porque a família é a célula mater da nação. A criança quando adotada, ou do nascedouro ou tardiamente, ele tem uma base de carinho, de afeto, de amor que vai ser reproduzido para outros seres humanos, de modo benfazejo, de modo virtuoso”, disse.

 

Presidente do TJ-BA, desembargador Nilson Soares Castelo Branco | Foto: Camila São José/Bahia Notícias

 

“Eu mesmo, quando minha mãe morreu, eu tinha oito meses de idade. Fui adotado pela irmã mais velha, com 18 [anos], depois pelo meu cunhado, depois fomos para o interior e lá fui adotado por seis mulheres solteiras em um fazenda. Então, eu sou um exemplo de uma adoção múltipla e sou uma pessoa, eu acho, resolvida, porque todas essas pessoas me emprestaram carinho, amor, afeto”, contou. 

 

Questionado sobre a morosidade dos processos de adoção, da burocracia enfrentada por muitas famílias, Castelo Branco pontuou a necessidade de uma revisão na legislação, mas disse que a demora é para garantir a segurança dos envolvidos. 

 

“Isso tem que ser simplificado, agora com segurança. Às vezes a demora é porque é necessário para se estudar quem vai adotar, porque adotar para uma pessoa entrar em uma família que não tem condições emocionais, estruturais para fazê-lo, vai inclusive desvirtuar a própria criança. Essa demora vem em nome da segurança, da certeza. Todo processo judicial que é rápido, é temeroso. Nem tanta demora, nem tanta brevidade, tem que ser o meio termo. Ou seja, um tempo razoável para que esse processo”, falou.

 

O Ministério Público da Bahia (MP-BA) entrou como parceiro da campanha. Representado a procuradora-geral de Justiça, Norma Cavalcanti, a coordenadora do Centro Operacional da Infância e Juventude do MP-BA, Ana Emanuela, acredita que o maior desafio do sistema de adoção é o perfil procurado pelas pessoas que desejam adotar. 

 

Emanuela explica que a maioria das crianças que não foram adotadas na Bahia estão acima dos 6 anos, “justamente por uma falsa ideia da sociedade de que só poderiam adotar crianças que são bebês de tenra idade, quando na realidade o amor não tem tamanho, e a família é família seja quais forem os seus membros”. 

 

“Às vezes, a espera é de encontrar a criança que entende que é adequado para uma faixa etária ou por uma determinada característica, quando na realidade as coisas não funcionam dessa forma”, complementou. 

 

Coordenadora do Centro Operacional da Infância e Juventude do MP-BA, Ana Emanuela | Foto: Camila São José/Bahia Notícias

 

Na visão da promotora, “essa é uma campanha que traz luz à sociedade, a necessidade de que todos, juntamente com o estado, a família, a sociedade, venham se ombrear para fazer com que essas crianças encontrem o seu lar, que possam ter as suas necessidades atendidas, que possam realmente ter os seus direitos garantidos”.

 

ABRIGOS

Para quem trabalha diretamente nos abrigos, como Eliana Teles, funcionária do Campo e Paz desde 2009, é fundamental incentivar a adoção. “[Porque] é um filho do coração, é muito importante eles terem uma família”. 

 

O abrigo atende jovens de até 9 anos, incluindo crianças e adolescentes com deficiência e menores que ficaram órfãos por conta da pandemia de Covid-19. “Acho importante que eles estejam inseridos na família”.

 

No panorama traçado pela assistente social Marcely Kátia Santana, do Lar Irmã Benedita Camurugi, de Simões Filho, o racismo também é uma das barreiras para adoção. “A gente está com um adolescente de 17 anos e tem um jovem de 16, que já estão há cerca de dois anos dentro do cadastro de adoção aguardando uma família. E a instituição, junto com algumas outras entidades do estado da Bahia, e também nacionais, vem fazendo mobilização de busca ativa em grupos de pretendentes já habilitados na perspectiva de encontrar a família para esses meninos, porque na grande maioria das pessoas que estão habilitados, estão habilitados em busca de crianças de idade de faixa etária de mais ou menos 0 a 5 anos, geralmente são meninas. Então, o nosso público que a gente tem a maior dificuldade de adotar são meninos maiores de 11 anos e meninos negros que acabam ficando muito tempo na instituição. Esse é o maior desafio enquanto instituição: é a garantia da convivência familiar dessas crianças”, relatou. 

 

Ao falar que a “conta não fecha”, porque o número de crianças e adolescentes aptos à adoção é maior do que o de famílias pretendentes, Santana crava: “não está faltando meninos, está faltando pessoas interessadas no perfil que hoje o serviço tem". "Um bebê quando chega dentro de uma instituição ele não passa mais de um ano”.

 

Foto: Camila São José/Bahia Notícias

 

Foto: Camila São José/Bahia Notícias

 

VARA DA INFÂNCIA E JUVENTUDE

O juiz titular da 1ª Vara da Infância e Juventude de Salvador, Walter Ribeiro Costa Junior, atuante há 32 anos na área, o estigma da adoção como uma coisa negativa foi quebrado, mas alguns preconceitos ainda permanecem. 

 

“Essa mentalidade de que hoje ainda se admite a criança somente até 3 anos, ainda é visto nacionalmente, mas a criança menina, branca e até 3 anos. Essa é a preferência nacional. Só que no caso do Brasil, específico da Bahia, nós temos uma formação exclusivamente de negros. Nós temos cerca de 83% da nossa população daqui de Salvador de pessoas negras. Então, não se pode entender uma mentalidade que na verdade é um entrave nesse processo. Pela pigmentação da nossa cor? Até porque vocês estão conversando com um juiz negro. E como tal a gente fica se perguntar, é um cenário que não é muito comum, se observar até no Tribunal de Justiça como um todo o percentual de juízes negros que é mínimo”, ponderou. 

 

Juiz Walter Ribeiro Costa Junior | Foto: Camila São José/Bahia Notícias

 

Magistrado reforçou que atualmente em Salvador a maioria das crianças e adolescentes disponíveis para adoção têm de 5 a 17 anos, grupos de irmãos, negros e com questões de saúde. “E a esses nós precisamos romper a questão de uma mentalidade retrógrada, que não permite a valorização da pessoa enquanto pessoa”.

 

Segundo Walter Ribeiro Costa Junior, desde 2020, com o reflexo da pandemia, a 1ª Vara realizou 120 adoções. Deste total, apenas cerca de 10% se referem a adolescentes adotados, “em geral eram bebês ou crianças de até 2 anos, meninas”. Hoje, conforme o juiz, existem 349 famílias interessadas. “E por que essa conta não fecha? Porque a mentalidade entre aquelas crianças disponíveis e a aqueles pretendem, ainda é uma mentalidade que entrava”. 

 

O magistrado destaca que famílias e pessoas interessadas em adotar podem buscar a 1ª Vara, localizada na Rua Arquimedes Gonçalves, no centro de Salvador, presencialmente, por e-mail ou telefone. A partir daí é dada toda a orientação para iniciar o processo de habilitação.

 

Porém, o juiz Walter destaca que é possível criar laços com as crianças também por meio do apadrinhamento afetivo ou de prestação de serviço. “Você pode ter essa criança em períodos escolares, de festa, por determinado tempo ou alguma atividade que você possa proporcionar a essa criança em algum momento, você também é um padrinho”, explicou.  

 

PARCERIA COM O FUTEBOL

O vídeo da campanha será exibido nos telões da Arena Fonte Nova e do Barradão antes e durante os jogos do Bahia e Vitória a partir deste final de semana. Além disso, as crianças aptas à adoção entrarão no campo com os jogadores. 

 

Foto: Camila São José/Bahia Notícias

 

Foto: Camila São José/Bahia Notícias

 

A ação, conforme o TJ-BA, se inspira em inciativas realizadas pelos tribunais do Rio de Janeiro e Recife. “A ideia não é inovação da Bahia, a gente está copiando o que ocorreu nessas capitais dos estados, porque lá foi tudo exitoso, e a gente espera que na Bahia também”, projeta Salomão Resedá. 

 

No Rio de Janeiro, a campanha foi realizada antes da pandemia de Covid-19, inspirado no movimento do Sport Clube Recife, como destaca o juiz titular da 4ª Vara da Infância, Juventude e do Idoso do Rio de Janeiro, Sérgio Luiz Ribeiro de Souza. Sobre essa troca entre os Tribunais de Justiça Estaduais, o magistrado reforçou a necessidade de unificar o enfrentamento.

 

Juiz Sérgio Luiz Ribeiro de Souza | Foto: Camila São José/Bahia Notícias

 

“Porque a pauta é uma só, é a criança e o adolescente, é a garantia ao direito fundamental à convivência familiar e comunitária. Nós somos essa pauta, então se há algum projeto bom acontecendo em algum lugar, a gente não tem que reinventar a roda. Replicar essas boas práticas, inclusive é recomendação do CNJ, inclusive é para isso que serve, por exemplo, o Prêmio Innovare, porque ele simplesmente quer mostrar para o Brasil boas práticas para serem replicadas. Então, o Tribunal de Justiça da Bahia está na crista da onda. É exatamente isso, é a gente pegar as boas práticas, replicá-las e desenvolvê-las”, ressaltou.