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Ciências Criminais: O Projeto de Lei sobre a colaboração premiada de pessoas presas poderá ter efeito retroativo?

Por Gustavo Brito

Ciências Criminais: O Projeto de Lei sobre a colaboração premiada de pessoas presas poderá ter efeito retroativo?
Foto: Antônio Cruz/Agência Brasil

A Colaboração Premiada é um negócio jurídico de natureza processual penal e um meio de obtenção de prova, cuja validade e credibilidade estão vinculadas, dentre outros requisitos, à apresentação, pelo colaborador, de elementos de corroboração de suas alegações (art. 3-C, §4º, Lei Federal nº 12.850/2013). 


Ela foi implementada no sistema brasileiro através da Lei Federal 12.850/2013 (Lei de Organizações Criminosas), a qual foi alterada pelo Pacote Anticrime, e prevê a colaboração premiada e a respectiva permissão para a redução de penas em situações específicas.


Esse tipo de ferramenta não é novidade no ordenamento jurídico nacional, representando mais uma das medidas da denominada “justiça negociada”, que possui outros exemplos no sistema brasileiro, como a transação penal, criada pela Lei Federal 9.099/95, e a redução ou isenção de pena a quem colabora com as investigações, prevista no §5º, do art. 1º, da Lei de Lavagem de Dinheiro, entre outros.


Recentemente, o instituto voltou a ser amplamente discutido, em virtude do requerimento de urgência de apreciação do Projeto de Lei nº 4.372/2016, de autoria do Deputado Federal Wadih Damous, que sugere a alteração de alguns dispositivos da Lei Federal 12.850/2013, em especial à inclusão do §3º no art. 3º, cujo texto passaria a prever que a colaboração premiada somente seria possível se o colaborador estivesse em liberdade. Na justificativa do Projeto, o seu autor sustentou que o objetivo seria a preservação da voluntariedade do instituto, bem como vedar que a prisão cautelar seja utilizada como instrumento de pressão para a celebração de acordos.


Diversos doutrinadores e advogados criminalistas há muito fazem oposição aos acordos de colaboração premiada realizados por indivíduos privados de liberdade, assegurando a existência de vício de consentimento. Ademais, a revogação da prisão cautelar, em decorrência da celebração do acordo de colaboração, consistiria em expressa demonstração da ausência dos requisitos que ensejaram o encarceramento do indivíduo.


Essa discussão tornou-se ainda mais acirrada no período da Operação Lava Jato, quando integrantes do Ministério Público Federal passaram a promover a colaboração premiada de pessoas presas com maior frequência, permitindo inferir que a prisão cautelar estaria sendo utilizada como medida de estímulo a uma confissão circunstanciada e à delação de indivíduos, independentemente das consequências e da idoneidade do conteúdo das declarações.


O tema é palpitante e gera sentimentos antagônicos. Enquanto alguns consideram existir violação ao livre consentimento do colaborador, outros encaram tal situação com naturalidade, sem vislumbrar nenhum problema ou ilegalidade. As recentes delações ocorridas, em especial a de Ronnie Lessa e do Coronel Mauro Cid, serviram ainda mais para reavivar as discussões sobre a validade e efetiva existência de voluntariedade do procedimento em relação aos encarcerados.


Se aprovado o Projeto de Lei, haverá debates sobre a possibilidade de ele gerar efeitos retroativos e implicar em nulidade dos acordos anteriormente celebrados. Reconhecer que a prisão do colaborador implica contaminar a sua voluntariedade na celebração do acordo poderia conduzir ao entendimento de que todos os que foram anteriormente realizados seriam nulos, mas não é bem assim.


Primeiro, porque o STF já se manifestou, no HC 124.483, deixando claro que a validade da delação não estaria condicionada à liberdade de locomoção. Segundo, que o CPP, no art. 2º, veda a retroatividade e dispõe que as normas processuais têm efeito imediato, o que impediria que uma futura lei, de natureza processual, pudesse gerar efeitos sobre acordos já homologados e em cumprimento. Além disso, sustenta-se que a Constituição da República protege o ato jurídico perfeito, norma que também impediria a retroatividade.


Acredito que, nessas situações, o vício na vontade é evidente e que o Projeto de Lei vem em boa hora. Ele permitirá que mais uma ilegalidade seja afastada do sistema jurídico nacional de uma vez por todas. No entanto, quanto aos acordos anteriormente celebrados, a vedação proposta quanto a pessoas encarceradas não poderia retroagir para anular os pactos anteriores à Lei, cujo reconhecimento de ilicitude somente seria possível se apresentados elementos probatórios concretos acerca da ilegalidade do procedimento.