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Nos últimos 10 anos, 30 quilombolas foram assassinados no país, aponta um levantamento da Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos (Conaq). O estado que lidera o ranking é justamente a Bahia, com 11 casos, onde foi morta a Mãe Bernadete Pacífico, de 72 anos, líder do Quilombo Pitanga dos Palmares, no município Simões Filho, nesta quinta (17). Ela, que era uma das coordenadoras da Conaq, militava pelo reconhecimento oficial do seu território e denunciava crimes ambientais na região, foi assassinada dentro de casa, seis anos após o homicídio do seu filho, em circunstâncias semelhantes.
“O caso de Mãe Bernardete se junta a esses assassinatos que estão sem resolução nenhuma. Essa situação é muito grave, 30 pessoas tiveram as vidas ceifadas ao longo dos anos. Queremos cobrar do estado brasileiro uma posição. Não dá para o sistema de justiça ignorar as violências que acontecem nos territórios quilombolas”, protestou Biko Rodrigues, coordenador da Conaq, em declaração ao O Globo.
Poucos dos assassinatos ocorridos desde 2013 foram elucidados. Em muitos casos havia sinais de execução, mas houve também mortes com evidências de violência sexual ou de feminicídio. Segundo a Conaq, as disputas por terras acabam sendo motivações para muitos dos conflitos.
“Existe uma disputa por terra muito ferrenha. Foi negado a nós, negros e negras, o direito à terra, apesar de estarmos nos territórios há mais de 400 anos. Isso é fruto do racismo fundiário que existe no país e esse racismo é responsável por deixar pessoas longe da terra”, disse Rodrigues, em nota, que também reclamou sobre o orçamento enxuto do governo federal para esse tema.
A líder quilombola Maria Bernadete Pacífico, conhecida como Mãe Bernadete, foi assassinada na noite de quinta-feira (17), dentro do Quilombo Pitanga dos Palmares, localizado no municípios de Simões Filho, na Região Metropolitana de Salvador (RMS).
Mãe Bernadete era ex-secretária de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e líder da comunidade quilombola de Simões Filho. Ela era mãe de Flávio Gabriel Pacífico dos Santos (Binho do Quilombo), liderança quilombola da comunidade Pitanga dos Palmares, também assassinado há 6 anos.
A Conaq (Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos) se manifestou lamentando a morte da liderança e cobrando providências para a elucidação do crime.
“Mãe Bernadete, agora silenciada, era uma luz brilhante na luta contra a discriminação, o racismo e a marginalização. Atuava na linha de frente para solucionar o caso do assassinato do seu filho Binho e bravamente enfrentou todas adversidades que uma mãe preta pode enfrentar na busca por justiça e na defesa da memória e da dignidade de seu filho. Nessa luta, com coragem, desafiou o sistema e, como tantas mulheres, colocou seu corpo e sua voz na defesa de uma causa com a qual tinha um compromisso inabalável. Sua voz ressoava não apenas nas reuniões e eventos, mas também nos corações daqueles que acreditavam na mudança”.
O governador Jerônimo Rodrigues, por meio das redes sociais, garantiu rigor na investigação do assassinato. “Recebi com pesar e indignação a notícia do falecimento de Mãe Bernadete, uma amiga e grande liderança quilombola da Bahia. Determinei que as Polícias Militar e Civil desloquem-se de imediato ao local e que sejam firmes na investigação”, publicou.
A ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, afirmou que enviará uma comitiva junto aos Ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos, para realizar reunião presencial com os órgãos do estado para garantir a proteção e a defesa do território.
Silvio Almeida, ministro dos Direitos Humanos e da Cidadania do Brasil, também determinou o envio de uma equipe da pasta até o local do assassinato.
Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP-BA), informou que as polícias Militar, Civil e Técnica, após tomarem conhecimento do fato, iniciaram de imediato as diligências e a perícia no local para identificar os autores do crime.
Segundo a pasta, informações preliminares indicam que dois homens, usando capacetes, entraram no imóvel da vítima, na cidade de Simões Filho, e efetuaram disparos com arma de fogo. Detalhes sobre a dupla de homicidas podem ser enviados, com total sigilo, através do telefone 181 (Disque Denúncia da SSP).
Um dos impasses que dificulta a permanência das comunidades quilombolas é a regularização das terras. Na Bahia, 94,77% da população quilombola está fora dos locais de origem. O estado tem o maior número de quilombolas no país, 397 mil pessoas, segundo os últimos dados do Censo do IBGE. No entanto, apenas 20,7 mil estão nas localidades.
Os dados sobre quilombolas foram divulgados nesta quinta-feira (27). “O maior desafio é a titulação no cartório para garantir que essas terras sejam regularizadas. Então para o nosso pessoal que está fora do seu território, que está na cidade, retornar, é preciso avançar nas titulações”, disse José Ramos, que está a frente da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq). A instituição auxiliou o IBGE na preparação dos pesquisadores que visitaram as comunidades em todo país.
Outra questão que faz com que os quilombolas não se fixem nas comunidades é o desemprego. No primeiro trimestre deste ano, Bahia registrou a maior taxa de desempregados do país, 14,4%, conforme o IBGE. Índice acima do país, que ficou em 8,8%.
“Isso passa também pela falta de geração de emprego e renda. Porque nós temos terra, mas as terras não estão regularizadas para o nosso povo poder plantar, poder construir, para sobreviver. Sem terra, a gente não vive”, disse.
Ramos estima que haja quase 800 comunidades na Bahia, mas apenas cerca de 20 tem titulações, ou seja, que já tem identidade formal, o que possibilita ter acesso a serviços de saneamento básico, saúde e infraestrutura, por exemplo. A titulação é o último estágio no processo de posse definitiva das terras. A demora no processo é outro obstáculo.
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