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Mudanças importantes na tributação sobre heranças com a EC nº 132/2023

Por Alexandre Carneiro Rios Macedo

Foto: Acervo pessoal

No final do ano passado, mais precisamente em 20/12/2023, foi promulgada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitucional nº 132, que alterou amplamente o sistema tributário brasileiro relativamente aos tributos que incidem sobre o consumo. Em linhas gerais, a emenda autorizou a instituição de dois novos tributos (IVA-Dual), quais sejam: o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao ICMS, ISS, IPI e as contribuições sociais PIS e COFINS.

 

Embora digna de nota a reforma da tributação sobre o consumo, também foram efetivadas com a emenda significativas mudanças em impostos que oneram o patrimônio e que, por isso mesmo, evidenciam de forma mais nítida a chamada “capacidade contributiva”, ou seja, a manifestação de riqueza que autoriza, em maior ou menor medida, a tributação pelo Fisco, buscando uma maior justiça tributária e a concretização do princípio constitucional da isonomia. 

 

O presente artigo tem como foco tratar de um dispositivo incluído pela EC nº 132/2023, que pode até parecer sutil à primeira vista, mas que certamente terá um grande impacto na forma como as heranças passarão a ser tributadas no país nos próximos anos, de modo a tornar, efetivamente, a tributação mais harmônica com o princípio da capacidade contributiva.

 

Sobre o tema, inicialmente é importante destacar que as transmissões “causa mortis” (heranças) são tributadas pelo ITCMD, de competência dos Estados e do Distrito Federal, devendo ser observada pelos entes federativos a alíquota máxima fixada pelo Senado Federal, que corresponde a 8% (oito por cento), nos termos da Resolução nº 09/1992. 

 

Ocorre que nem todos os Estados adotam alíquotas diferentes em relação ao patrimônio deixado como herança, de modo a tributá-lo de forma progressiva (leia-se: quanto maior a base de cálculo, maior a alíquota). O Estado da Bahia, por exemplo, determina a aplicação de alíquotas progressivas, que variam de 4% a 8%. Já o Estado de São Paulo, por sua vez, adota uma alíquota única, de apenas 4%. Embora tenha sido objeto de discussões doutrinárias e jurisprudenciais, o STF validou a tributação progressiva sobre heranças mesmo sem a existência de autorização expressa na Constituição a esse respeito. 

 

Pois bem: a mudança primordial no imposto sobre heranças trazida pela EC nº 132/2023 foi a inclusão do inciso VI no § 1º do art. 155 da CF, dispositivo que passou a prescrever a seguinte regra acerca do ITCMD: “será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação”. Em outras palavras, a partir de agora existe previsão literal na CF acerca da progressividade do imposto que incide sobre as transmissões “causa mortis”. 

 

Em verdade, não apenas uma, mas duas alterações substanciais decorrem dessa norma e elas, em conjunto, representam um avanço positivo para se alcançar uma maior justiça fiscal e isonomia tributária no país. 

 

Em primeiro lugar, a progressividade do imposto passou a ser mandamento obrigatório, ou seja, todos os Estados deverão passar a tributar as heranças com alíquotas diferentes, de acordo com cada patamar de riqueza transmitida. Não se trata mais de uma opção, mas de uma determinação constitucional. Em cumprimento a essa norma, já está em tramitação no Estado de São Paulo – que, como visto acima, adota até então alíquota única – um projeto de lei (PL nª 07/2024) para instituir alíquotas progressivas do ITCMD (2%, 4%, 6% e 8%).

 

Por fim, a outra mudança substancial está atrelada à base de cálculo sobre a qual será calculado o imposto devido. Perceba, caro leitor: o novo dispositivo constitucional estabeleceu que a progressividade da alíquota deverá observar o valor do quinhão ou do legado, e não mais o valor total do patrimônio transmitido. Essa mudança tornará efetivamente mais justa a tributação, de acordo com a parcela de patrimônio recebida pelo herdeiro, expressão da sua própria capacidade contributiva no caso concreto. 

 

Para tornar mais didático o exposto acima, peguemos como exemplo uma situação hipotética com base na redação atual da Lei nº 4.826/1989, que trata sobre o ITMCD no Estado da Bahia. A referida lei prevê uma alíquota de 4% de imposto sobre espólio de R$ 100.000,00 a R$ 200.000,00 e uma alíquota de 8% para espólio de valor superior a R$ 300.000,00. Vamos supor que uma pessoa venha a falecer deixando um patrimônio de R$ 400.000,00 para quatro herdeiros. 

 

Caso o ITCMD seja calculado com base no valor total do espólio (como acontece atualmente), o imposto devido estará na última faixa de alíquota, correspondendo a R$ 32.000,00 (8% de R$ 400.000,00), o que equivale a R$ 8.000,00 para cada herdeiro. Por outro lado, caso o imposto seja proporcional ao valor do quinhão (R$ 100.000,00 para cada herdeiro), será aplicada a alíquota mínima, de 4%, o que equivale a R$ 4.000,00 por herdeiro. Percebe-se, então, que com a aplicação da nova regra constitucional, o imposto seria reduzido à metade neste caso ilustrativo, demonstrando bem uma tributação mais coerente com a capacidade econômica de cada contribuinte.

 

São duas alterações que efetivamente estão em consonância com a justiça tributária e com as tendências mundiais de tributar progressivamente o patrimônio e, em especial, as heranças. Aliás, a perspectiva no Brasil é que, inclusive, a alíquota máxima do ITCMD venha a aumentar no futuro, o que tem motivado planejamentos tributários por muitos contribuintes, adiantando, ainda em vida, a transferência do patrimônio, ou de parte considerável dele, para os futuros herdeiros. Nesse ponto, vale a pena salientar que está em tramitação projeto de resolução no Senado para aumentar a alíquota máxima do ITCMD para 16% (Projeto de Resolução nº 57/2019). Essa tendência justifica cada vez uma atenção maior a planejamentos sucessórios. 

 

Antes de encerrar o texto, uma última indagação: particularmente no Estado da Bahia, como fica a tributação sobre as heranças? Como vimos anteriormente, a Lei Estadual nº 4.826/1989 já prevê alíquotas progressivas, estando, neste aspecto, em harmonia com a nova redação constitucional. Todavia, a base de cálculo na lei baiana é o valor do espólio, ou seja, todo o conjunto do patrimônio deixado pelo falecido. Nesse último aspecto, a lei não está materialmente compatível com o novo dispositivo constitucional. Sendo assim, qual base de cálculo deve prevalecer para se apurar o valor do ITCMD a ser pago por cada herdeiro? 

 

Ora, considerando a hierarquia da norma constitucional em face da lei ordinária, e que o inciso VI do § 1º do art. 155 da CF (inserido pela EC 132/2023) entrou em vigor na data de sua publicação (20/12/2023), entendo que deve ser aplicada a norma mais benéfica, de modo a se calcular o imposto com a aplicação da alíquota prevista na faixa de valor do quinhão, e não com base no valor total do espólio, podendo tal questão inclusive ser objeto de ação judicial pelo sujeito passivo interessado. 

 

*Alexandre Carneiro Rios Macedo é advogado tributarista

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias

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