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Sistemas bélicos, financeiros e Big Tech: o Leviatã na contemporaneidade e a Governamentabilidade

Por Gel Varella

Foto: Divulgação

Nesse artigo, buscamos, através da metáfora do Leviatã, compreender o presente vivido globalmente. Thomas Hobbes, em sua obra "Leviatã" (1651), representa um poder soberano absoluto necessário para manter a ordem e evitar o caos da guerra civil. Na contemporaneidade, podemos utilizar essa metáfora para entender como os sistemas bélico, financeiro e a Big Tech (grandes corporações tecnológicas) funcionam como forças dominantes que moldam e controlam estados, nações e a sociedade de maneira significativa.

 

Leviatã:

O termo "Leviatã" tem origens e significados variados que se desenvolveram ao longo do tempo, tanto na mitologia, na literatura religiosa, quanto na filosofia política. Vamos explorar aqui o significado na filosofia política.

 

Para Hobbes, o Leviatã representa o Estado absoluto, um poder centralizado e soberano criado através de um contrato social para evitar a "guerra de todos contra todos" no estado de natureza. Segundo Hobbes, sem um poder soberano forte, a vida seria solitária, pobre, desagradável, bruta e curta.

 

Compreendendo os sistemas contemporâneos:

 

Sistemas Bélicos

Os sistemas bélicos contemporâneos, incluindo arsenais nucleares, forças armadas avançadas e complexos industriais militares, exercem um poder de dissuasão e controle global. Esse poder é sustentado pela capacidade de causar destruição em larga escala e pela influência política e econômica que os países com grande poder militar possuem. A supremacia bélica pode ser vista como um Leviatã, que garante a segurança de algumas nações enquanto perpetua um estado de vigilância e potencial conflito para outras.

 

Sistemas Financeiros

Os sistemas financeiros globais, incluindo bancos centrais, mercados de ações e instituições financeiras internacionais, possuem um controle imenso sobre a economia global. Eles influenciam políticas econômicas, a distribuição de recursos e a estabilidade econômica. Este sistema pode ser visto como um Leviatã moderno que regula a prosperidade e o bem-estar das nações dominantes, mantendo uma ordem econômica que beneficia alguns, enquanto marginaliza outros.

 

Big Tech

A Big Tec representa o poder das grandes corporações tecnológicas e o controle de informações em uma escala sem precedentes. Corporações e governos que possuem acesso e controle sobre vastas quantidades de dados podem influenciar comportamentos, prever tendências e exercer vigilância sobre populações inteiras. Este controle sobre a informação e a capacidade de processar e analisar grandes volumes de dados para fins comerciais, políticos e sociais fazem da Big Tech um Leviatã digital que molda a privacidade, segurança e liberdade individual.

 

Convergência dos sistemas

A convergência desses sistemas bélico, financeiro e de Big Tech cria uma rede de controle multifacetada e interdependente. Por exemplo, o financiamento de sistemas bélicos frequentemente depende de instituições financeiras e é informado por análises de Big Tech. Da mesma forma, o controle financeiro é suportado por segurança e vigilância digital proporcionada pelas tecnologias de Big Tech. Desse entrelaçamento resulta o que chamamos aqui de “O Leviatã na contemporaneidade”.

 

Crítica e Reflexão

Filósofos como Michel Foucault discutem a ideia de biopoder e “governamentalidade”, onde o controle não é apenas imposto externamente, mas internalizado e normalizado através de práticas cotidianas e tecnologias de poder. Essa reflexão crítica pode levar a um questionamento profundo sobre as estruturas de poder e os modos de resistência que podem emergir. Foucault parecia entender, em seu tempo, que o Estado moderno não era a maior manifestação de poder. O conceito de "governamentalidade" refere-se a uma maneira de analisar o poder que vai além das instituições tradicionais, como o Estado.

 

“Governamentalidade” combina as palavras "governo" e "mentalidade", indicando a maneira como o governo e as formas de pensar se entrelaçam na administração da população. Porém, é necessário observar que o poder econômico atual é muitas vezes dominado por grandes corporações, em vez de estados ou nações, o que exige uma adaptação do conceito de “governamentalidade” para abordar essas mudanças no cenário do poder. Foucault não viveu para ver o pleno desenvolvimento do neoliberalismo global e a ascensão das corporações transnacionais como atores principais na governança global, mas sua obra permite extrapolações e adaptações para esse contexto.

 

As grandes corporações modernas que são resultantes dos entrelaçamentos dos sistemas bélicos, financeiros e Big Tech podem ser vistas como exercendo uma forma de “governamentalidade”. Elas não apenas buscam lucro, mas também governam comportamentos, influenciam políticas públicas, e moldam a cultura e a vida cotidiana. Por exemplo, empresas de tecnologia como Google, Amazon e Facebook, a face da Big Tech, administram vastas quantidades de dados pessoais, influenciam o consumo e moldam a comunicação global. Suas práticas de coleta e uso de dados têm implicações profundas para a privacidade, segurança e governança; sendo também responsáveis por construir o pensamento unidimensional, deixando a humanidade escrava pela perspectiva da alienação e dissonância cognitiva dirigida por algoritmos. Também por isto, podemos inferir que essas empresas fomentam a guerra cultural, de valores e costumes, exacerbando divisões e conflitos sociais. Nesse ambiente digitalmente dirigido, a máxima de Hobbes, “o homem é lobo do homem”, torna-se evidente, à medida que essas plataformas amplificam a hostilidade e a polarização entre indivíduos e grupos e, ainda assim, lucram com o caos.

 

Adaptar o conceito de governamentalidade para o contexto contemporâneo de poder corporativo implica reconhecer que as corporações modernas exercem formas complexas de poder que governam não apenas mercados, mas também comportamentos, culturas e políticas. O conceito de governamentalidade permanece relevante, mas sua aplicação precisa ser expandida para incluir esses novos atores sistêmicos e as maneiras como eles influenciam a vida social e econômica globalmente.

 

Em suma, a partir das analogias propostas aqui, podemos afirmar que os sistemas bélico, financeiro e a Big Tech atuam como Leviatãs na contemporaneidade, na medida em que exercem um controle abrangente sobre aspectos fundamentais da vida social, econômica e política, mantendo uma ordem global complexa e frequentemente desigual. Para despertar uma consciência crítica e libertadora, importa compreender fundamentalmente, que dívidas não matam ser humano algum; até porque, elas exigem ser pagas; todavia, não deve ser difícil compreender que o objetivo maior de um sistema financeiro é tornar e manter o ser humano escravo da dívida; o sistema bélico, é deixar o ser humano escravo do medo, bem como a Big Tech nos deixa escravos da alienação dirigida.

 

Filosofia se pratica.

 

*Gel Varella é educador e educando

 

*Os artigos reproduzidos neste espaço não representam, necessariamente, a opinião do Bahia Notícias

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