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Entrevista

"Muita coisa sob a nossa ótica precisa ser aprimorada", reconhece presidente da Embasa - 03/04/2023

Por Gabriel Lopes / Mauricio Leiro

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

Após a rápida passagem por Brasília, na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Leonardo Góes está de volta para a Embasa. Ex-secretário estadual de Infraestrutura Hídrica e Saneamento (SIHS) na gestão Rui Costa (PT), ele agora assume a direção da companhia de saneamento por indicação de Jerônimo Rodrigues (PT) e aponta algumas melhorias para a gestão estadual. 

 

"A empresa evoluiu bastante, principalmente na questão da governança corporativa, na profissionalização da gestão, realmente é um fato, mas muita coisa sob a nossa ótica precisa ser aprimorada. Ao longo do tempo, além da expansão da cobertura, a universalização, tudo isso que está em voga, tem questões ligadas à própria companhia, de aprimoramento dela, da sua atuação, do relacionamento da empresa com a sociedade, com as comunidades onde ela atua,  que julgo que é ainda incipiente e é necessário melhorar. Além disso, temos uma questão ligada à imagem, que precisa mudar para melhor", indicou ao BN.

 

 

Góes reforçou que não defende a abertura de capital da empresa “A venda da participação do Estado numa empresa vai gerar recurso ao cofre do Tesouro, e, por mais que seja importante construir mais escolas, hospitais, enfim, não me parece que o saneamento seria a área a exportar recursos para isso, já que é uma área da infraestrutura que ainda necessita de muito investimento” explicou. Veja a entrevista completa:

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

 

Presidente, antes de entrar em alguma pautas, gostaria de começar a entrevista lembrando que o senhor chegou a assumir o comando da Secretaria Nacional de Segurança Hídrica, e logo depois aceitou o convite do governador Jerônimo para tocar a Embasa. Por que o senhor aceitou esse desafio, por que voltar para Salvador, para a Bahia e não ficar em Brasília em uma nova missão?

Acho que, como quadro técnico, o melhor local, a melhor escolha é aquela que se faz com consenso político. Enfim, eram dois trabalhos relevantes da mesma área, um mais de execução e outro formulação. Então, a gente já tinha postulado, já havia sido ventilada a possibilidade de presidir a  Embasa quando surgiu um novo convite. Foi uma passagem por Brasília onde o trabalho é bastante relevante para o país, a própria transposição do são Francisco, toda a parte de infraestrutura hídrica do país passava por aquela pasta. Mas o compromisso aqui com o Estado, em que eu fui secretário durante três anos e meio, talvez tenha sido o mais relevante. Você pode dessa vez ir pro outro lado, executar e fazer os aprimoramentos que a gente enxerga e a empresa necessita.

 

Quais são os seus objetivos à frente do órgão e nessa chegada sua, o que você já identificou como mais sensível e que demanda atenção imediata nessa atuação?

Não, são diversos. A empresa evoluiu bastante, principalmente na questão da governança corporativa, na profissionalização da gestão, realmente é um fato, mas, muita coisa sobre a nossa ótica precisa ser aprimorada. Ao longo do tempo, além da expansão da cobertura, da universalização, tudo isso que está em voga, existem questões ligadas à própria companhia, de aprimoramento dela, da sua atuação, do relacionamento da empresa com a sociedade, com as comunidades onde ela atua, que julgo que é ainda incipiente, e é necessário melhorar.  Temos uma questão ligada à imagem. Isso implica em diversos fatores.  Uma parte da Embasa que as pessoas conhecem, são na verdade contratos terceirizados, principalmente aqueles que estão fazendo a pavimentação nas cidades. O cidadão do interior conhece essa prestadora de serviço, que temos, na nossa ótica, um problema grave na forma de contratá-las. Então, às vezes é um barato que sai muito caro para a imagem e para a reputação da companhia. Então, rever isso obedecendo o processo legal, é onde devemos aprimorar. Por outro lado, não é também o nosso intuito, necessariamente, mudar pessoas. A gente precisa mudar a forma de fazer as coisas, a embasa é uma empresa que tem um quadro funcional relevante, grande, e qualquer mudança que você pretenda fazer, e deixar realmente um legado, você tem que fazer num processo de convencimento, utilizando a própria mão de obra própria, o próprio corpo de empregados.

 Acredito que esse reposicionamento de imagem, com a melhoria na comunicação da empresa, é excessivamente passiva, pois é uma empresa que faz muita coisa, e normalmente se defende mais do que trabalha isso de forma proativa. Então, esse é o marco, talvez o  principal processo de aprimoramento. Dentro disso, como eu falei, são diversos processos internos, a exemplo da contratação das terceirizadas, por exemplo, que permite mergulhos além do que a gente pode considerar exequível. É uma espécie de barato que sai caro, que termina no distrato quase sempre, e na imagem da empresa durante todo esse percurso sendo prejudicada.

 

Presidente, nesses primeiros meses do ano temos acompanhado alguns episódios de rompimento de adutoras aqui em Salvador. Isso não é exatamente uma novidade, mas a periodicidade que vem acontecendo é algo que chamou atenção ali principalmente no período do Carnaval, alguns casos depois inclusive. Queria que o senhor explicasse para os leitores porque isso tem acontecido tanto e saber se existe uma forma de acompanhamento dessas redes subterrâneas da Embasa que possam já prever áreas passíveis de substituição?

Não necessariamente. Não se trata disso. Aquele caso episódico, tem uma outra natureza, essa tubulação apesar de não ser nova, pois possui trinta e cinco anos, não é de um material que teria exatamente sido a causa. Tudo indica que essa conclusão depende da conclusão de análise, de que se tratou de um golpe hidráulico, possivelmente ocasionado por diferenças de pressão, lembrando que trabalhamos com bastante pressão e volume. Na hidrodinâmica, você tem bolsões de ar, nessa diferença de pressão você pode ter uma pressão maior em determinado ponto. Tudo indica que ocorreu isso. Agora, não obstante a tudo isso, inclusive, pois existem milhares de quilômetros de redes e ramais cortando uma cidade como Salvador, as ocorrências de vazamentos e rompimentos não estão acima de uma média normal para esse tipo de companhia.  Talvez uma coincidência do período, talvez a atenção que isso recebeu; até por conta daquele caso da [Avenida] Garibaldi, que poderia ter sido uma tragédia. Uma infelicidade, mas que após isso surgiram outros vazamentos, mas, ainda assim, não longe de uma média geral para esse tipo de ocorrência numa cidade desse tamanho. Agora, fora isso, fora a questão de média, é necessário olhar com cuidado, e pretendemos fazer isso, que é exatamente você fazer uma programação de substituição de redes, talvez um pouco mais rápida do que tem sido feito até aqui.

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

 

Recentemente o prefeito Bruno Reis criticou a Embasa justamente com os episódios de rompimento de tubulações, dizendo que causam transtornos à cidade e afirmou que o órgão precisa resolver problemas crônicos para que o município assine um novo contrato de programa para continuar a prestação de serviços. Ele pediu uma contrapartida em investimento para a cidade. Desde que você assumiu, já conversou com o prefeito? Qual seria o denominador comum para estreitar essa relação aqui na capital?

Sim. mantemos uma boa relação. Conversamos antes ainda do pleito eleitoral, com Rogério [Cedraz], o ex-presidente. Pretendemos retomar a questão maior com o município, que é de contextualizarmos, pois é uma troca boa. Existe o investimento a ser feito para universalizar até 2033 e por outro lado, uma proposta de intervenção de urbanização integrada. Parte dos problemas, na prática, são de ligações clandestinas na rede e a ausência de drenagem pluvial em determinados pontos. Temos pontos críticas mapeados, no Mané Dendê por exemplo, foi um projeto integrado, nas zonas críticas queremos entrar com os recursos, para tratar a questão de forma integrada, rede de drenagem (de responsabilidade do município) e de esgoto (da Embasa). Esse jogo de empurrar, do nosso ponto de vista, a população não quer saber. Não temos poder de polícia, apenas passamos a rede e o cidadão precisa entroncar nela. Podemos pensar juntos uma solução para ajudá-los nisso. É alta a cobertura de esgoto em Salvador, apesar disso, a percepção da população não é essa. Em algumas regiões você tem dificuldades de fazer coleta de esgoto, por conta da localização, aí precisamos de soluções individualizadas. Estamos abertos a negociar, tenho a certeza que vamos chegar a um denominador. A cidade precisa permitir um contrato, até para carrear recursos para o setor. É normal haver problemas, quando você trata uma política essencial, lembrando que o nosso serviço ocorre por ‘debaixo', sendo o ordenamento urbano totalmente desordenado. Não tem uma sincronia de ações de urbanização, e precisamos fazer intervenções, que quase sempre é no pavimento, e isso causa muitos transtornos.

 

No ano passado a Assembleia aprovou um projeto para adequar a Embasa ao novo marco regulatório do saneamento básico, muita pressão popular, muita gente dizendo que esse seria o primeiro passo para a privatização da empresa. O senhor concorda com essa posição?

Não. Aquilo não é adequado. Você tinha uma lei de criação da Embasa, que não permitia que você criasse uma SPE. Uma subsidiária. Talvez isso seja necessário em alguns formatos, para absorver serviços. Um serviço autônomo, se o município quiser que a Embasa assuma, pode ser necessário criar uma sucursal, criar uma empresa apartada. Essa alteração, parte dela, é a possibilidade da Embasa participar como sócia nesses formatos. Itabuna [como exemplo], se quiser passar para a Embasa, seria uma forma, criar uma subsidiária lá, já que o marco legal vedou aqueles contratos de programa, então uma forma alternativa seria você criar uma uma empresa subsidiária: A lei que criou a Embasa, na década de setenta, não permitia, então, a alteração significativa foi isso. Há também uma outra possibilidade, a de abrir uma empresa interfederativa, por exemplo, para prestar serviços na região metropolitana de Salvador. Teria condições da Embasa constituir uma empresa com os municípios participantes, onde os ativos então integralizaram a nova empresa. É uma forma jurídica de você resolver o problema da prestação de serviço em algumas regiões, principalmente em alguns municípios que tenham contrato com algum questionamento do ponto de vista da regularidade dele. Isso foi ocasionado por conta do marco legal, que não previu um período de transição e algumas situações seguiram sem serem solucionadas. Até 2019 só existiam seis contratos em vigor, até 2022 já tinham 324. Então ainda há alguns municípios a serem equalizados, Salvador está regular, mas mesmo assim a gente precisa colocar as metas do novo marco e estabelecer um contrato com um prazo maior e que dê segurança jurídica, como eu falei, para que a gente possa captar recursos no mercado e poder fazer os investimentos. Então, apesar de regular, ele precisa ser contemporâneo e ser interessante para os dois, município e empresa. Me comprometo com investimentos, e ao mesmo tempo passo a ter uma segurança jurídica para buscar recursos no mercado. 

 

Foto: Igor Barreto / Bahia Notícias

 

Presidente, em relação à estrutura de saneamento básico que temos aqui na capital, e além disso em todo o estado, a Bahia é um estado muito extenso, que tem realidades bem distintas no quesito saneamento. Qual é o índice de pessoas que ainda vivem sem saneamento básico aqui, e também no estado como um todo?

Quando você fala de saneamento básico, você também fala de resíduo sólido, de drenagem. Então, falando somente dos eixos, água e esgoto agora. Na água você tem uma cobertura bem melhor nas zonas urbanas, praticamente está muito próxima da universalização, Salvador tem 98%. Aqui a questão é de outra ordem, é da regularidade e da qualidade do abastecimento. Na maioria das regiões você ainda tem um déficit na zona rural. E isso a CERB aumentou bastante o número de sistemas feitos nos últimos três anos, houve um acréscimo significativo, mas ainda assim você tem um déficit a ser superado na zona rural, principalmente naquela região do estado, próxima a região do São Francisco onde temos uma dificuldade grande de mananciais, tanto superficiais quanto subterrâneas, e que necessitam de grandes obras de infraestrutura para resolver, e que o Governo Federal deixou de fazer nos últimos anos, a exemplo do Canal do Sertão, da transposição na parte da Bahia e Sergipe. Teve investimentos muito relevantes na bacia do Tucano, que você transpôs agua do lençol de Tucano para algumas regiões. Mas ainda assim faltam algumas obras de infraestrutura maiores para que você consiga levar água com qualidade, e continuidade para algumas regiões do estado. Mas, fora isso, na questão da água, você está mais próximo de atingir o que a gente considera como universalização. No esgotamento sanitário, esse sim é o maior déficit, não só nosso, já que nosso índice quase se espelha com o índice nacional. Cerca de 50% das pessoas não têm acesso a saneamento, ao esgotamento sanitário. Aqui em Salvador, possuímos um índice alto, mas quando você também vai pro interior do estado, tem o índice bem menor, na zona rural menor ainda, mas no global, o índice é de metade da população, mais ou menos. Para avançar agora, são necessários cerca de vinte bilhões, é o recurso que nós estimamos mínimo para universalizar o saneamento básico no estado da Bahia. Se você olhar, quase dois terços disso é destinado a esgotamento sanitário. Em vários municípios a Embasa está fazendo esse projeto de esgotamento. Vou citar um caso: Rio Real, na divisa ali do estado de Sergipe; é uma cidade pequena, onde já possuímos um projeto. O projeto custou R$ 2 milhões e a obra está estimada em R$ 135 milhões. Então você observa, um município só, e os valores envolvidos. Então, é claro que eu preciso do contrato e, com esse contrato, fazer essa obra, e ir buscar recursos no mercado para executar. A Embasa é uma é uma empresa que tem baixa alavancagem, ela tem pouco empréstimo. Comparado a empresas do setor ela praticamente está zerada e tem uma capacidade de pagamento bastante relevante.

 

 A direção da Embasa geralmente passa por uma questão de indicação política, algumas negociações. O governo tem uma atuação direta no órgão?

Não. Para o bem da empresa, ela evoluiu. Eu comecei a entrevista falando da evolução da governança e da estrutura da companhia. Talvez seja o que temos na Bahia mais independente e de melhor modelo de gestão. O governo do estado é sócio majoritário da empresa.  Apesar disso, ele tem, é claro, como acionista, direito (superadas determinadas condições [são vários os impedimentos]além competências e experiências) de escolher um dirigente. Parte do controle parte de outra instância, que são conselho fiscal, conselho de administração, que também é designado pelo acionista majoritário. Temos um processo de provimento dos cargos, dos cargos gerenciais da empresa, que são preenchidos por profissionais da casa, na sua essência. As gerências, as superintendências, enfim, isso garante uma memória e uma certa resiliência a mudanças de governo, já que a gente trata da política que é de estado e a empresa tem uma resistência razoável a mudanças nesse sentido. Isso não significa que necessariamente um corporativismo teria que existir. Mas não é isso que a gente está falando. Está numa resiliência as pontuações da política, a empresa trata realmente de uma questão que é muito essencial e você precisa criar estrutura, memória, inclusive, porque senão a cada ciclo de gestão você reiniciaria do zero. Você imagina numa pauta que você admite que tem muito ainda por fazer, onde o Governo pauta, a sociedade pauta também. Mas a forma de fazer talvez seja a menos politizada que a gente tem, onde o governo, apesar de possuir um viés, a empresa se mantém bastante apartada desse aparelhamento do ponto de vista político.

 

A Embasa pretendia abrir capital na bolsa de valores. Eu sei que eles desistiram da ideia, o que pensa sobre essa possibilidade?

Eu não não defendo isso agora, isso  foi estudado, inclusive se isso era realmente uma saída. Os primeiros estudos não apontaram como vantajoso para o estado. Eu não defendo a privatização da Embasa, não por ideologia, mas por uma questão econômica. Estamos falando de um setor que no mínimo necessita de R$ 20 bilhões para cumprir as metas que estão estabelecidas, então é um um setor que precisa de investimentos. A venda da participação do estado numa empresa, iria gerar recursos ao cofre do tesouro, então, por mais que seja importante construir mais escolas, hospitais, enfim, não me parece ser o saneamento a área que iria exportar recursos para isso. Isso não significa ser contra parcerias com o setor privado; que a gente precisa estudar, como PPPs; locação de ativos. Onde for possível que seja alavancando esses recursos, seja por emissão de  debêntures, ou lançamento desse tipo de papéis no mercado, nós faremos.A Embasa já iniciou esse ano captando R$ 600 milhões, através de empréstimo lastreado numa emissão de debêntures incentivadas, um título do setor de engenharia que possui incentivo e também outras modalidades de empréstimo, para que ela tenha capacidade de aumentar o investimento. Por outro lado, estudamos também a locação de ativos, PPPs, como a gente vem estudando em Feira de Santana, modelos onde não prejudicaria a nossa capacidade de endividamento e financiamento no médio prazo.

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