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Coluna

Ciências Criminais: O risco da castração química de pessoas inocentes

Por Gustavo Brito

Foto: Divulgação

No último dia 22 de maio, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal, aprovou, por 17 votos a 3, o Projeto de Lei nº 3.127/2019, de autoria do Senador Styvenson Valentim, que permite a castração química voluntária, para condenados reincidentes, por crimes sexuais.


A citada proposição legislativa cria a possibilidade de ser realizada castração química, mediante prévia aceitação voluntária do condenado reincidente, em delitos contra a liberdade sexual. 


Essa modalidade de sanção penal já é prevista em alguns estados dos EUA, em países como o Paquistão, a Polônia, a República Tcheca, além da província de Mendoza, na Argentina.


Diversas críticas podem ser realizadas, em relação ao Projeto, como uma possível violação ao inciso III, do art. 5º, da Carta Constitucional, que veda a realização de tortura, tratamento desumano ou degradante, a complexidade sobre os meios utilizados, para essa aceitação voluntária, além da eficácia da medida, para solucionar o problema a que se propõe.


Sobre a aceitação voluntária, que se relaciona a castração química, vale a pena destacar que tem crescido o número de casos em que o Poder Judiciário tem anulado processos criminais, em virtude de acesso a residências, aparelhos celulares, dentre outras situações, pelo fato de o consentimento do investigado ter sido obtido de forma ilícita e até com possíveis sinais de tortura. Não é demasiado questionar, outrossim, que tal situação poderia se repetir em eventual aprovação da proposição.


Ademais, não se pode deixar de refletir sobre a elevada taxa de erro judiciário no Brasil. Os meios de comunicação, nos últimos anos, têm divulgado, amplamente, inúmeros casos, permeados de falhas na condenação, a exemplo de Carlos Edmilson da Silva, vítima de um erro judiciário, condenado a uma pena de 137 anos, 9 meses e 28 dias. Apesar de ter sempre se declarado inocente, a sua liberação somente foi possível, mediante testes de DNA, que chegaram, após o pretenso culpado ter cumprido mais de 12 anos de prisão, por 10 estupros, que nunca cometeu. 


Pontue-se que decisões atuais referem-se a situações passadas. Então, muito possivelmente, inúmeros erros judiciários ainda não tiveram, sequer, a chance de uma revisão pelo sistema de justiça.  


As estatísticas do Innocence Project, nos EUA, apontam que entre 1989 e 2020, o exame de DNA permitiu a exoneração de 375 pessoas, injustamente condenadas, sendo que delas, aproximadamente 12% se declararam culpadas por crimes que não cometeram. A pesquisa ainda aponta que a média de tempo de prisão, até a efetiva solução do processo, é de 14 anos.


O sistema de justiça brasileiro possui problemas semelhantes ao estadunidense, porém, em maiores proporções, agregado ao fato de não existir uma cultura de registro de estatísticas, para permitir um efetivo dimensionamento do problema. Tais questões são observadas na precariedade das investigações, nas limitações ao acesso à justiça e ao exercício da defesa, bem como juízos de valor formados, mediante provas extremamente frágeis e controversas, problemas esses que afetam, preponderantemente, os integrantes das comunidades menos favorecidas.


Uma das maiores dificuldades está no modelo de procedimento de reconhecimento de pessoas, adotado no Brasil, que conduz a um número extremamente elevado de condenações injustas, apesar do grande esforço do STJ e do CNJ, em expedir decisões e orientações, visando a coibir tal problema. 


Nesse sentido, é assustador perceber que o Senado Federal, aparentemente, está em descompasso com os problemas vivenciados pela sociedade brasileira, afinal, nos últimos anos tem crescido, de forma exponencial, a divulgação de casos de erro judiciário, especialmente com condenações injustas, por crimes contra a dignidade sexual.


A medida, além de bastante questionável, mostra-se incompatível com o momento atual, de tanta precariedade no sistema de justiça, que carrega o ônus de uma elevada taxa de erros judiciários.


Creio que mais importante que criar medidas muito severas, seja a necessidade de se investir em infraestrutura, a fim garantir uma melhor qualidade de investigações e decisões judiciais, do que causar mais danos irreparáveis a pessoas inocentes.