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Coluna

Ciências Criminais: Iremos nos levantar ou permanecer sentados? Uma reflexão sobre o PL do Aborto

Por Gustavo Brito

Foto: Divulgação

O PL 1904/2024, de autoria do Deputado Federal Sóstenes Cavalcante e que tramita na Câmara dos Deputados, tem sido destaque nos noticiários e redes sociais após a recente aprovação de requerimento para tramitação em regime de urgência.


A referida proposição legislativa altera diversos dispositivos do Código Penal e cria uma limitação temporal para o aborto ser realizado em até 22 semanas, fundamentado em recomendações de Normas Técnicas do Ministério da Saúde. Essa limitação temporal já está em vigor em países como Canadá, Holanda, Reino Unido, França, Alemanha, Espanha, Portugal, Rússia, China e alguns estados dos EUA.


Dois pontos específicos do projeto brasileiro têm sido duramente criticados: a limitação temporal que inclui casos de gravidez decorrente de estupro e a cominação de pena de 6 a 20 anos de prisão para quem descumprir o prazo.


A justificativa técnica para os defensores da alteração proposta é a proteção da vida intrauterina, argumentando que após 22 semanas os fetos já estão formados e podem sobreviver, mesmo que prematuramente. Portanto, a mulher teria tempo suficiente para decidir sobre o aborto antes desse prazo.


No entanto, surge uma questão crucial: houve consulta a mulheres vítimas de estupro sobre esta proposição legislativa? Algum profissional da área de saúde especializado no acompanhamento de mulheres e crianças vítimas de estupro pode oferecer esclarecimentos sobre o tema?


Atualmente, o Código Penal, no art. 124, prevê pena de 1 a 3 anos de prisão para o aborto, enquanto o art. 128 estabelece a impunidade quando a gestação resulta de estupro e a gestante ou seu representante legal consente com o procedimento, sem limite temporal.


Com a alteração proposta, uma mulher ou adolescente vítima de estupro que opte por abortar após 22 semanas poderia enfrentar uma pena de 6 a 20 anos, enquanto o autor do estupro seria punido com 6 a 10 anos de prisão. Do ponto de vista do princípio da proporcionalidade, fundamental no direito penal, essa pena sugerida parece excessiva e absurda, representando uma verdadeira violação à Constituição da República.


Além disso, se o aumento das penas fosse uma estratégia eficaz para dissuadir a prática de crimes, a população carcerária brasileira não teria crescido mais de 1.000% desde a década de 90, período durante o qual houve um aumento nas penas para diversos delitos, além de mudanças nos regimes de cumprimento das penas.


Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a cada 10 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Dados do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania de 2023 indicam que 79% das vítimas de estupro são crianças e adolescentes, e, no mesmo ano, estatísticas mostraram que quatro mulheres eram assassinadas a cada dia. Esses números continuam a aumentar.


É crucial considerar a vida em gestação, mas não se pode ignorar o direito da criança, adolescente ou mulher de decidir sobre uma gravidez, especialmente quando resulta de um crime.


Esta questão é extremamente complexa e requer cuidado. Um projeto de lei como esse não deveria tramitar em regime de urgência e ser votado sem um amplo debate com a sociedade, especialmente sem ouvir as mulheres, vítimas de estupro, e os especialistas médicos que lidam com esses casos de violência.


Com base nos relatos de vítimas de estupro e violência, muitas vezes elas se sentem culpadas pelos crimes cometidos contra elas, desenvolvendo uma relação de rejeição consigo mesmas e com seus corpos, além de enfrentar outros aspectos e traumas psicológicos extremamente difíceis de superar. Portanto, é questionável impor uma limitação temporal a alguém que passou por uma situação tão traumática para tomar uma decisão tão difícil.


Além disso, as consequências da aprovação deste projeto serão terríveis. Uma delas será o aumento significativo de clínicas clandestinas, colocando em risco a vida das mulheres que buscam esses serviços, especialmente aquelas vítimas de estupro. Pessoas mais privilegiadas financeiramente poderão recorrer a clínicas privadas, mas o que acontecerá com os menos favorecidos, que constituem a maioria da população?


Acredito, portanto, que a violência deste projeto não se limita às mulheres; ela afeta a todos nós. Somos todos filhos, irmãos, primos, amigos, colegas de trabalho, e interagimos diariamente com muitas mulheres.


Tudo isso me lembra um antigo ditado do período nazista que dizia que se 10 pessoas estão em uma mesa e um nazista se senta sem que ninguém se levante, então há 11 nazistas na mesa. Então, iremos nos levantar ou permaneceremos sentados?