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Entrevista

“Não vai mudar a política brasileira”, avalia professor sobre proposta de fim da reeleição

Por Francis Juliano

Foto: Divulgação

O tema do fim da reeleição voltou a ser discutido com mais ênfase em 2024. No Senado, uma proposta defende o fim do dispositivo, aprovado [de forma controversa] em 1997 e que beneficiou à época o presidente Fernando Henrique Cardoso. Na Bahia, figuras como o senador Otto Alencar (PSD) já se manifestaram contra a reeleição, e a União dos Municípios da Bahia (UPB) considera a discussão sobre o fim dela “oportuna”, desde que haja extensão dos mandatos.

 

Em entrevista ao Bahia Notícias, o cientista político Cláudio André avalia que a proposta não traz mudanças positivas para a política brasileira. Segundo o professor, a discussão sobre os dilemas das cidades ficaria encoberta por pautas de fora, e a carreira dos políticos locais ficaria mais limitada. Para o docente, outras questões são mais importantes do que o fim da reeleição, como mudanças no financiamento de campanhas.

 

“Isso vai dinamitar muita coisa. Eu acho que o pessoal não está conseguindo entender que isso não vai mudar a politica brasileira. Isso fica bonito no sentido da renovação, alternância, mas no dia a dia, o cara vai tomar posse e não pode se reeleger. E ele sabe que na eleição seguinte, ele não vai se candidatar a nada”, declarou ao BN.

 

Veja: 

 

Qual é a sua opinião a respeito da proposta de acabar com a reeleição de prefeitos, governadores e presidente?

Para mim, essa proposta do fim da reeleição é problemática porque ela não dialoga com a realidade social e política. Eu vejo que o fator importante da eleição é exatamente permitir que essas lideranças tenham um tempo mais abrangente no poder. Eu penso que a reeleição foi colocada dentro de uma perspectiva de gerar estabilidade política, de gerar previsibilidade nas carreiras e para que o eleitor se sinta confortável em poder votar mais uma vez para a
continuidade de um determinado governo.

 

O que poderia ocorrer na política municipal com o fim da reeleição?

O nosso sistema político e eleitoral tem na política municipal várias especificidades. Uma delas é que os prefeitos e prefeitas não conseguem ascender, na sua grande maioria na Bahia, como também em outros estados, em torno de uma carreira estadual. Se a gente tem uma liderança política que não tem mais o direito à reeleição, obviamente, esse prefeito não vai ser lá na frente candidato a deputado estadual. É muito raro isso acontecer. Então vai ter que sair para vereador. O que é uma situação incomum. Uma liderança política no município que vai na eleição seguinte não ser candidato à reeleição, mas, veja, sair para vereador.

 

Um argumento de quem é contra a reeleição é a possiblidade de agrupar as eleições em um único dia. O que o senhor pensa sobre isso?

Eu sou contra. Não faz sentido juntar as eleições locais com as estaduais e nacionais. São três dimensões de organização política que tem suas especificidades. As eleições estadual e nacional juntas já geram um baita problema para mobilizar eleitores para votar em deputados estaduais e federais, governador e presidente. Já a eleição municipal é peculiar porque mobiliza os eleitores de uma forma geral a pensar na cidade, seja no funcionamento do trânsito, de escolas, de esporte e lazer. Há um risco gigantesco de você ter uma perda de capacidade dialógica de discutir as questões municipais.  A vantagem de estar no cargo não necessariamente garante êxito. Em 2016, menos da metade [48%] dos prefeitos conseguiram se reeleger. Em 2020, o percentual foi um pouco melhor, ficou em 56,4%. Ou seja, a vitória não é garantida. Nessa última eleição teve o impacto da pandemia. É importante ter eleições que permitamque aquele político que tenta a reeleição seja julgado. Não vejo que seja um problema de grande valia. E tem outra coisa que a gente deve levar em consideração.

 

Qual?

A partir do momento que se retira a reeleição, quem está ocupando a cadeira de prefeito ou governador, obviamente, vai ter que organizar o seu governo para a sucessão. Isso pode gerar um vácuo político, um esvaziamento de poder tamanho, porque você elege uma pessoa e já está calculando quem vai organizar a próxima. Então, se acelera internamente esse caráter da sucessão contínua.

 

Ou seja, se na reeleição o candidato trabalha para si, com o fim dela, ele atuará para um aliado, é isso?

E gera instabilidade, gera um processo de quebra. Porque um prefeito eleito, naturalmente, ele é candidato à reeleição. E aí você tem uma previsibilidade das estratégias políticas que vão acontecer daqui a quatro anos. Se isso não é possível institucionalmente, se o prefeito João ganha, ele vai preparar Maria ou José, e esse processo embola porque você vai ter uma disputa sucessória.

 

Disputa entre quem?

A disputa pela sucessão se abre no ponto de partida, no início do mandato. Ou seja, quem é que vai ocupar tal secretaria de maior destaque? Quem é que vai ter mais recursos? A minha hipótese é que a gente aumentaria a disputa interna nos grupos políticos locais. A prefeitura já começaria a gestão sob conflito.

 

Como assim?

Vamos pensar na pessoa que quer se tornar governador, no caso aqui de Jerônimo Rodrigues. Se ele não tem a possibilidade de se reeleger, ele vai tentar o Senado. Mas o prefeito não. O prefeito vai virar o quê? Você tem 417 prefeitos na Bahia e tem 39 vagas para deputado federal e 63 para estadual. A conta não fecha. Obviamente que o cargo de prefeito pode ser reocupado por outras figuras, gerando mais competição, mas eu não vejo muito sentido nessa proposta. Acho que ela pode gerar muitos problemas. É aquele tipo de proposta que caso seja aprovada vai ser testada uma vez, e a tendência é que se reabra o debate para saber se ela vai continuar ou não.

 

A UPB e figuras como o senador Otto Alencar já se manifestaram pelo fim da reeleição. O que o senhor acha que mais os sensibiliza para defender essa proposta?

Essa é uma posição de quem defende que vai haver mais previsibilidade na ação dos prefeitos. Eu não vejo isso. Pode ser uma proposta de boa intenção, mas ela não dialoga em especial com o político que está na base, que é o vereador, que é o prefeito. Se a gente ficar olhando para cima, olhando para floresta, a gente vai ter problema.

 

Tem a questão do aumento do período do mandato que está inclusa nas propostas pelo fim da reeleição, não é?

O argumento que eu tenho observado é: aumenta-se o mandato, de quatro vai para cinco anos. E aumentando para cinco tem um grande problema. Vai ter políticos que poderiam ficar oito anos e que vão ficar cinco. Ele fica mais tempo em um mandato, mas vai demorar para voltar.

 

É uma proposta que pode deixar os políticos “bem na fita” com a opinião pública, já que o tema da reeleição divide opiniões?

Cai bem diante da população, mas isso é retórica. Tem que ser observado com base no dia a dia. Tem uma premissa que a gente pode observar que é o seguinte. Vários políticos se colocam na disputa municipal de forma sucessiva. Vamos pegar aqui o caso de Orlandinho (PT), lá em Cruz das Almas; e Paulo César (União), em Alagoinhas. Então repare só, a hipótese que a gente tem que observar é: como vai ficar essa carreira política nos municípios? Como é
que você vai diminuir a possibilidade de ter uma liderança que em vez de ficar oito vai ficar cinco para tentar voltar depois?

 

Isso muda a política em que sentido?

Isso vai dinamitar muita coisa. Eu acho que o pessoal não está conseguindo entender que isso não vai mudar a politica brasileira. Isso fica bonito no sentido da renovação, alternância, mas no dia a dia, o cara vai tomar posse e não pode se reeleger. E ele sabe que na eleição seguinte, ele não vai se candidatar a nada. Ele não vai sair candidato a vereador. Não é a tendência. Vai ser muito difícil isso acontecer. A não ser que haja uma brecha, e ele possa se candidatar como vice-prefeito. E mesmo assim gera conflito. O cara era prefeito e vira vice, é como se fosse rebaixado. Então eu não acho que seja uma mudança que vai consolidar um processo de mais qualidade para nossa democracia. Vai ser o contrário. Em vez de você ter um prefeito lutando pela reeleição, você vai ter um bocado de sucessor ali, se colocando.

 

O argumento da diminuição de gastos é algo que tem força na sociedade. O fato de fazer eleições de dois em dois anos mobiliza estrutura e muitas despesas. Como o senhor avalia esse ponto?

E não vejo que o custo da nossa democracia seja alto quando a gente considera a sua perspectiva de organização das eleições, de segurança. No entanto, outro debate que a gente deve levar em consideração é sobre o fundo eleitoral. Não vejo também como um grande problema, mas tem que começar a ser dado um freio. Não dá para cada vez mais você ter uma escala de maior gasto no fundo eleitoral quando existem outras prioridades a serem conduzidas no país. A unificação das eleições não pode jamais ter um argumento econômico.

 

Porque fazer uma eleição é caro mesmo. Só a Bahia é do tamanho da França. E nós vivemos em um país com dimensões continentais. Há alguma mudança que poderia ser feita no dispositivo da reeleição? Alguma coisa que a aprimorasse.

Eu acho que a gente deve pensar em um limite de ocupação de cargos no Legislativo. Talvez evitar quatro reeleições no mesmo cargo. Outra questão que deve ser considerada é de alguma forma limitar as candidaturas ao Senado, com duas ou três eleições. E uma medida que talvez seja interessante de ser considerada é exatamente a de ter uma mudança na regra em relação à perda de cargos no âmbito da Câmara de Vereadores.

 

Como seria?

A nossa Constituição organiza o número de cadeiras com base na população. Uma perspectiva que seria mais previsível é mudar esse número de forma automática a cada dez anos, com o Censo, para não acumular a defasagem ou aumento de vagas. Caso da Bahia é que a gente perdeu população e em consequência algumas vagas. Se a gente já tivesse mudado lá em 2000 ou 2010 não ia sentir tanta diferença. Esse é outro ponto também na reforma política que poderia estar presente nessa discussão.

 

Então, para o senhor, não haveria porque mudar o dispositivo da reeleição para quem está exercendo o poder?

Eu vou ser muito sincero. Não acho que mexer na reeleição vai ajudar muita coisa. Eu acho que o nosso foco tem que ser outras questões, como o financiamento de campanha, pensar mais mecanismos de participação da sociedade, ouvir mais a sociedade em relação a alguns temas, via plebiscito e referendo. E uma proposta que defendo, junto com o movimento feminista, é a perspectiva de reservar 30% das vagas para as mulheres. Pela legislação atual, os partidos são obrigados a lançar 30% de candidaturas femininas. Eu acho que essa lei pode continuar vigente. No entanto, a gente cria ali uma nova regra para reservar o mínimo 30% das vagas. Essa é uma medida, por exemplo, muito mais eficaz e urgente do que o fim da reeleição.

 

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