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Marca Bahia Notícias

Notícia

Resenha BN: Chula, Baião e Van Gogh

Por Francis Juliano

Foto: César Vilas Boas
Minutos antes de o show começar, um grupo de pessoas, já sentadas, cantarola a música “A Massa”, espécie de segunda identidade do cantor que dali a alguns instantes ia se apresentar. “Quando eu lembro da massa da mandioca, mãe”, repetiam. A noite começava nesta energia. Afastado dos palcos há alguns meses, Raimundo Sodré tinha todos os motivos para fazer da noite uma festa. O cantor e compositor queria mostrar que estava bem, apesar dos resquícios da trombose que sofrera em março passado. “Girassóis de Van Gogh”, nome de uma das músicas do repertório, e nome também do show, traria o artista de novo para a vida, como os vegetais na arte do pintor holandês. E como trouxe.
 
Sodré subiu no palco do Teatro Sesc Casa do Comércio, na última sexta-feira (10), exatamente às 21h06. Veio de branco como manda a tradição das sextas na Cidade da Bahia, protegido por Oxalá, mas também por Oxum, rainha das águas doces que teve a primeira música do show dedicada a ela. A banda que acompanha Sodré é composta por dois percussionistas, um sanfoneiro, um baterista, um violonista, um flautista, um baixista e três backing vocal. Parecem estar bem entrosados. Kiko Souza (flautista), como um regente, toca e cifra os movimentos da banda. Sodré declama um poema e abre os trabalhos. O som está em bom volume e se escuta todos os instrumentos. Seria uma pena não ouvir a viola do músico Asa Branca, parceiro de Sodré há várias primaveras, e os vocais impecáveis de Angela Lopo, Andrea Caldas e Karyne Rosselle. 
 
O show começa em ritmo lento e aos poucos vai ganhando pique. A chula, ou seu equivalente samba-de-roda, passa a tomar conta do ambiente, e público e músicos começam a interagir. Raimundo Sodré aproveita um dos intervalos e lembra o célebre quebra-quebra de 1981. Um episódio que só trouxe problemas para Sodré, mas que parece ter sido página virada. Ele aproveita e entoa um cordel, fazendo uma brincadeira com os políticos da época. O músico também canta canções com fundo ambiental e avisa que “o show também é ecológico”. “Rumo das Águas” (do próprio Sodré) e “Tempo de Volta” (R. Sodré e Jorge Franklin) dão o tom sustentável.
 
Raimundo Sodré tem na chula e no baião suas maiores expressões. Quando é a chula que toma conta do ambiente, a sanfona avisa que o baião está por perto. Quando o baião é o protagonista, a chula aparece no debulhado da viola e no suingue das congas. Arrisca-se a dizer que Sodré faz baião com chula, e chula com baião. Esse estilo está em canções como “Forró com Dalva” (baião) e “Tempo de Volta”(chula), músicas inéditas em parceria com Jorge Franklin, e nas consagradas “Profissão Sonhar”, e “Falavreado no Coió de Shirlena”, esta última dificulta o crítico e mostra mais da musicalidade de Sodré. Assim como “Ya África”, resultado dos anos vividos fora do Brasil e das influências dos lugares que ficou ou passou. No show, há espaço para adaptações como a de Let it be (Beatles), que ganha nova roupagem, com uma pegada de ska. 
 
A volta para o interior, origem de Sodré, é cantada em músicas como “Por quê?” do compositor Puluca Pires. A letra fala de um tempo antigo em Ipirá-BA (cidade natal do músico) e de locais e sensações específicas. Outra homenageada é D. Edith do Prato, falecida em 2009, com a música “Ao Recôncavo” (Sodré/Jorge Franklin) uma das figuras mais respeitadas no mundo do samba-de-roda.
 
Um dos pontos altos do show é a participação do cantor e compositor Xangai, que divide com o anfitrião da noite algumas canções, entre elas,”Cocorocô”, e “Sina de Cantador”, canção que Sodré fez e depois viu que era a “cara” de Xangai. Ela se encaixa no menestrel de Vitória da Conquista, que canta como se cortasse o vento. Domínio e técnica de canto que deixam público e banda em êxtase.
 
Enquanto o show se desenrola, a platéia se mexe algumas vezes. A chula autoriza a transgressão, mas ninguém se aventura. Sodré, que não gosta de perder um samba, tem que se contentar com um espaço exíguo de poucos metros quadrados para dar alguns passos. Entre um samba e um baião, ensaia a famosa dança em que sapateia e mexe os quadris. Se ele pensou em parar o movimento, não adiantou. O ritmo deve ser mais importante que a saúde. Ou o ritmo é a própria saúde. A música corre e ele vai atrás. Aos 64 anos de idade, Sodré tem a voz ainda potente e o entusiasmo necessário para encarar mais um recomeço de vida. Por isso, depois de tocar a “última”, o público pede e ele volta para cantar “A Massa”. Agora não adianta se poupar, canta como se estivesse no Maracanãzinho lotado há 32 anos, no Festival da Música Popular Brasileira. Muitos que assistiam viram ou souberam dessa história.
 
O show “Girassóis de Van Gogh” prossegue neste domingo (12), com a presença de Roberto Mendes, às 20h. O preço de inteira é R$ 14,00, e o de meia-entrada R$ 7,00.

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