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Marca Bahia Notícias

Notícia

‘5 Segundos’ questiona lógica da guerra e aproxima inimigos ao explorar lado humano

Por Jamile Amine

Foto: Sidnei Campos/ Divulgação

Inspirado em um caso real, acrescido de vários toques ficcionais, o espetáculo “Cinco Segundos” faz curta temporada desta quinta-feira (29) até o domingo (1º), no Teatro Jorge Amado, em Salvador.

 

Com texto do dramaturgo e historiador Ricardo Carvalho, a montagem se passa na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, e estende segundos decisivos na vida de dois oponentes, um soldado brasileiro e um nazista alemão que se topam na batalha sem armas de fogo ou munição. Contar em 50 minutos o que ocorreu em cinco segundos na história dos personagens foi um dos primeiros desafios enfrentados pelos diretores, mas também uma forma de explorar o caráter “espiritual e onírico” do tempo. “O tempo também é uma construção, a gente inventou essa fração de segundos pra organizar melhor nossa vida. A peça nasce justamente da explosão dessa ideia de tempo. A gente tem o tempo real, mas tem a intenção e encenação de entender que esse tempo é outro em outras dimensões também”, defende Daniel Arcades. “A gente brinca muito com essa noção das dimensões do tempo. Então, cinco segundos pra nós pode ser muito rápido, mas a depender das camadas que a gente atinge da cabeça esses personagens, principalmente, pode durar uma eternidade”, explica. 

 

O enredo é resultado de um desejo antigo do autor, que só agora decidiu levar aos palcos. “Ricardo tem, há muito tempo, esse projeto de texto. Ele ouviu um relato de um pracinha baiano e a partir desse relato construiu uma história que a gente foi discutindo muito”, conta Daniel Arcades que, ao lado de Alan Miranda e do próprio autor, assina a direção da peça. “A gente tem falado muito, nas nossas conversas sobre o trabalho, da importância de olhar mais pra nossa história e aprender com esses exemplos, porque a sensação que dá, hoje, inclusive, é que a gente anda sem memória”, avalia o artista baiano, destacando que outro bom motivo para levar este enredo ao palco é o fato da Segunda Guerra fazer 80 anos em 2019. “A gente acreditou que era o momento, talvez, de também trazer esse debate, de colocar isso na dramaturgia do teatro, porque o teatro não discute muito a guerra, a gente fala pouco dessas temáticas mais bélicas. E a gente sentiu muito essa necessidade de começar a discutir”, justifica. 

 

Por ser escrito por um historiador, o texto traz uma sólida pesquisa, que foi incorporada por toda equipe e somada ao trabalho dos demais, na busca por referências sobre a guerra no cenário artístico. “A gente assistiu muitos filmes que discutiam a guerra, procurou muita dramaturgia. [Bertolt] Brecht é um dos maiores autores que discute a guerra, a gente leu o que ele falava sobre a Segunda Guerra Mundial. As referências artísticas eram muito importantes, mas as históricas também. Então, tanto a direção de arte quanto a própria encenação procuraram se esmerar o máximo possível”, diz Arcades, reiterando que a montagem passeia pelo realismo, mas não é realista. “Ela tem momentos muito líricos. A direção de arte, principalmente, procurou trazer momentos de pesquisa muito fiéis à imagem desses soldados e às informações contidas no texto também. E o processo de pesquisa foi todo mundo junto, nossos ensaios demoravam muito por conta disso, porque não bastava que os atores soubessem fazer os personagens, era muito importante pra gente que eles tivessem também munidos de todas as informações históricas e filosóficas que a Segunda Guerra Mundial traz pra nossa sociedade”, acrescenta.

 


Espetáculo traz questionamentos sobre a natureza da guerra e expõe motivações e ódios que levam pessoas a apoiar regimes autoritários | Foto: Sidnei Campos/ Divulgação

 

Apesar de se manter em um período histórico específico no passado, segundo o diretor, a peça traz também inevitáveis paralelos com a atualidade. “A gente tem um soldado alemão, sujeito de linha de frente, uma figura do povo, mas uma figura do povo que compra todos os discursos totalitários que induziram e levaram a uma guerra mundial. Então, não tem como a gente não pensar sobre os discursos que são proferidos hoje e como a população assume esses discursos cegamente. [Não tem como não] Atentar para um perigo do cunho de novo regime totalitário, de um século XXI repetindo o quão desastrosa foi a primeira metade do século XX”, diz ele, explicando que a ideia do espetáculo também é colocar luz nos exemplos do passado, para que grandes erros não se repitam. “Temos exemplos na nossa história em que a gente consegue enxergar para onde os discursos de ódio e purismo vão, e como a guerra não é uma solução pra repensar a nossa sociedade”, pontua o artista, que considera “imbecil” a ideia da guerra como tática ou símbolo de conquista, já que este artifício sempre pressupõe um vencedor e um perdedor, o que acarretaria em um ciclo vicioso pela busca do triunfo. “O espetáculo nos atenta na verdade pra esse discurso de separação a partir da guerrilha, pra gente entender a história humana, observar mais o ser humano e perceber como essa armadilha, que é a guerra, nos separa tanto, muito mais do que nos fortalece”, avalia o diretor. “A gente usa a palavra 'guerreiro' pra parecer forte, mas não se atenta que muitas vezes ser guerreiro quer dizer oprimir ou derrubar alguém”, pondera.

 

É justamente ao explorar o lado humano dos personagens que a peça expõe questões profundas sobre a natureza da guerra, além de estimular o público a pensar na lógica torta do belicismo. “Em ‘Cinco Segundos’ aqueles soldados nunca se viram e não dá tempo de se conhecer. É matar ou morrer ali na guerra. O espetáculo parte do pensamento de como a gente agiria se tivesse acesso à história do outro, a partir do olhar do outro”, conta o diretor. “Será que a gente mataria tanto se tivesse acesso a entender a história do outro? Será que a gente guerrearia tanto a partir do momento da tentativa de entender o ponto de vista do outro?”, questiona. “Então, a gente não romantiza muito a guerra. O brasileiro não vai pra lá com sentimentos pacíficos, o Brasil tem um objetivo na Segunda Guerra também. Existe um objetivo mercadológico, de aliança, então ambos estão ali, primeiro, como sujeitos da base da pirâmide, e são os primeiros que morrem. Óbvio que com realidades diferentes, por um ser alemão e o outro ser brasileiro, mas eles têm histórias e anseios muito parecidos, porque estão ali comprando os discursos que justificam a presença deles ali”, explica.

 

Arcades salienta ainda que enquadra os anseios, os sentimentos e tudo que perpassa a característica humana dos personagens como algo universal. Já as motivações que passam pela cultura, como ideologias, pensamentos e história de vida, constituem as diferenças. “A relação deles com o sentimento é muito parecida. Eu acho que é isso que diferencia a gente. Nós somos iguais, no lugar da vida humana, mas somos diferentes por conta das escolhas dos modos de vida, a depender de onde a gente esteja vivendo. É a cultura que nos diferencia. Tirando a cultura nós somos iguais”, avalia o artista.


SERVIÇO
O QUÊ:
“5 Segundos”
QUANDO: 29 de agosto a 1º de setembro. Quinta a sábado, às 20 e domingo, às 19h
ONDE: Teatro Jorge Amado - Pituba – Salvador (BA)
VALOR: R$ 60 (inteira) e R$ 30 (meia)

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