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Imbróglio em concurso para Faculdade de Medicina da UFBA gera “cancelamento de cota” e ação na Justiça Federal; entenda

Por Leonardo Almeida

Foto: Reprodução / Instagram

Um concurso para a vaga de professor adjunto da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia (UFBA) vive um imbróglio na Justiça por conta das classificatórias das vagas por meio do sistema de cotas. A história é complexa, junto com a discussão em torno da legislação e da conjuntura da sociedade brasileira em relação às pautas raciais em nosso país. Vamos lá:

 

Para começar, no início do ano passado, a UFBA lançou o Edital nº 01/2023 de concurso público para diversas vagas dentro da universidade, inclusive, em diferentes campus. Ao todo, foram 30 oportunidades diferentes no edital. No caso, para a vaga de professor adjunto de Otorrinolaringologia da Faculdade de Medicina, havia apenas uma vaga para ser disputada.

 

Após atingir nota de 9,40, Carolina Cincura Barreto acabou ficando em 1º lugar do concurso, porém, apesar de liderar a lista, ela não ficou com a vaga. Quem na verdade tinha recebido a oportunidade foi Lorena Pinheiro Figueiredo, a qual foi a 4ª colocada, com nota final de 7,67.

 

Após receber a notícia que não tinha sido selecionada, Carolina buscou informações junto à UFBA e viu que tinha ficado de fora, pois o edital previa a preferência por pessoas negras em casos de vaga única. Insatisfeita, a médica acionou o Tribunal Regional Federal (TRF) para anular a classificação de Lorena, que se declarou como negra, e ser nomeada como professora da universidade.

 

Resultado do concurso, juntamente com a indicação de que a vaga seria "preferencialmente preenchida" por uma pessoa negra

 

No dia 8 de maio deste ano, Carolina entrou com recurso de mandado de segurança contra o reitor da UFBA, solicitando a sua nomeação como professora da Faculdade de Medicina. Ela alegou que, pelo fato da vaga ser única, as cotas não poderiam ser aplicadas, dando preferência à classificação padrão.

 

“O presente mandado de segurança trata da ilegalidade e inconstitucionalidade do critério utilizado pela UFBA para nomeação ao conferir total preferência a cotistas em prejuízo da Impetrante, aprovada em 1º lugar no concurso público publicado por meio do Edital nº 001/2023, obtendo aprovação para a sua área do conhecimento que disponibilizou somente uma vaga”, disse a alegação.

 

A UFBA, portanto, alega que seguiu a Lei de Cotas, e ofertou 20% das vagas ofertadas para pessoas negras. Porém, a universidade apresentou que o percentual incide sobre o número total disponível, no qual era de 30 vagas. Assim, a universidade deveria integrar, no mínimo, 6 pessoas negras em seus quatro de professores por meio do edital.

 

A alegação da UFBA, inclusive, constava no edital do concurso. Apresentando que das 30 vagas disponíveis, 6 obrigatoriamente seriam destinadas para pessoas negras e duas para pessoas com deficiência.

 

Os números em vermelho sofreram alterações ante ao edital inicial. Antes eram 33 vagas totais, sendo 24 de Ampla Concorrência e 7 para pessoas negras

 

Apesar da argumentação da UFBA, a juíza do TRF-1, Arali Maciel Duarte, deu decisão favorável a Carolina, anulando assim a continuação de Lorena no processo de nomeação. A magistrada intimou o mandado de segurança contra a UFBA e ordenou que a universidade realizasse a nomeação de Carolina. A decisão foi enviada no dia 13 de junho deste ano.

 

A juíza afirmou que a UFBA não especificou a quantidade de vagas que seriam relativas à ampla concorrência e reservadas a cotas em relação às vagas específicas dentro do próprio edital. O modelo exigido pela magistrada seria similar ao utilizado pelo Sisu, por exemplo.

 

“Está claro que o item do Edital viola frontalmente a Lei de Cotas e do Decreto nº 9.508/2018 ao estabelecer que os candidatos negros ou deficientes que concorrerem às áreas de conhecimento que possuam menos de três vagas para provimento 'ocuparão a primeira vaga respectiva, ainda que esta seja a única e as suas classificações não lhes garantam a primeira posição, desde que tenham sido aprovados/as'. O Edital não especificou quais seriam as vagas reservadas aos candidatos negros ou pardos, apenas dispondo que as vagas ofertadas foram divididas em aproximadamente 30 cargos diferentes, de acordo com a especialidade de cada área de conhecimento, não distinguindo quais vagas seriam as relativas à ampla concorrência e aquelas relativas às reservas de cotas”, disse magistrada.

 

Na decisão, Duarte afirmou que a UFBA deve realizar, “no momento oportuno”, a convocação de Carolina para o cargo de professora adjunta da Faculdade de Medicina. Além disso, a juíza determinou que a instituição não poderia convocar um outro cotista para o posto: “UFBA se abstenha de convocar e nomear candidatos cotistas para a vaga disputada pela impetrante.”

 

A UFBA recorreu à decisão e afirmou que a universidade já vinha promovendo mudanças, pois não estava alcançando o percentual de 20% estabelecido pela Lei de Cotas. A universidade citou o Decreto nº 9.508/2018, que trata das reservas de vagas para pessoas com deficiência, teria servido como “indutor” das mudanças dos concursos da UFBA, fazendo o cálculo em cima do número total de vagas ofertadas.

 

“Embora o decreto regulamente a reserva de pessoas com deficiência, a forma de aplicação dele motivou uma consulta à Procuradoria Federal (PR), na forma de esclarecer se a forma sugerida não poderia ser aplicada também a pessoas pretas e pardas. A resposta à consulta manifestou o entendimento de que a forma de aplicação da reserva prevista no decreto também poderia ser aplicada às vagas destinadas para pessoas negras, devendo incidir sobre o número total de vagas e não sobre cada área de conhecimento”, explicou a UFBA.

 

"Quanto ao cumprimento da decisão judicial, esclarecemos que, no momento, não há o que se cumprir tocante à nomeação da candidata", completou.

 

A instituição também mencionou o voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 41/DF. Na ocasião, o ministro argumentou que os órgãos do Estado não podem usar a divisão de vagas por especialidade como justificativa para não aplicar a reserva de vagas, pois isso resultaria em violação da Lei de Cotas.

 

Porém, apesar de ter recorrido, a magistrada manteve sua decisão e pediu o "deferimento" do mandado de segurança em favor de Carolina e contra a UFBA. A manutenção da ordem foi publicada no dia 

 

Lorena, que teve sua classificação no concurso cancelada pela Justiça, se posicionou nas redes sociais nesta sexta-feira (30) e contou a história de todo o imbróglio. Na publicação, ela afirmou que não foi informada sobre o início do processo, que se deu no início de maio.

 

“Eu procurei falar sobre isso no melhor momento, não consegui falar sobre isso antes, porque, além de toda demanda jurídica que isso exigiu de minha parte, de contratar um advogado que me defendesse, pois eu não estava sabendo, meu nome está no processo desde maio e eu não estava sabendo, não fui informada em nenhum momento”, afirmou Lorena.

 

A médica também comentou que seria a primeira concursada a ingressar na Faculdade de Medicina pela Lei de Cotas, porém, teve sua nomeação cancelada pela Justiça. Lorena também lamentou a “violação” da legislação e lançou uma reflexão sobre racismo estrutural.

 

“Tem a dor que a gente sente de perceber que a lei de cotas, que é uma política afirmativa, está sendo violada neste país. Vamos pensar comigo, quantos médicos negros você vê nos consultórios?  Existe uma desigualdade, só que essa desigualdade não é pautada pela qualificação, ela é pautada pelo racismo estrutural a que estão submetidos as pessoas pela cor de pele no Brasil”, completou.

 

Veja:

 

 

MAS COMO FUNCIONA O EDITAL?

Normalmente, cada instituto da Universidade Federal da Bahia lança um concurso próprio para o preenchimento das vagas. Contudo, neste caso, nem para todas as áreas de conhecimento seriam disponibilizadas o mínimo de três vagas para a aplicação da Lei de Cotas "padrão". Por isso, a UFBA justificou que aplicou a regra para a quantidade geral de vagas.

 

Ressaltando que neste edital lançado para cada área há uma classificação diferente, fazendo provas e passando por etapas específicas da vaga escolhida dentro do concurso. Por exemplo: Apesar de ser o mesmo edital, um candidato que se inscreve para a Faculdade de Medicina não concorre e não faz as mesmas provas que uma pessoa que almeja a Faculdade de Comunicação, entende? 

 

Completando, no edital, também há um artigo que indica que os candidatos só seriam considerados qualificados para o concurso caso atingissem a nota mínima de 7 nas provas, nota que foi superada tanto Carolina, quanto Lorena.

 

Agora, dentro deste concurso, de acordo com dados obtidos do processo, três candidatos autodeclarados negros alcançaram uma nota superior a 7, lembrando que seriam seis vagas destinadas às pessoas negras. Dentro desse escopo, Lorena obteve a 2ª maior nota dentre os cotistas e, junto com a prioridade em casos de vaga única, se classificou para a vaga de professora adjunta da Faculdade de Medicina.

 

Vale sinalizar que, apesar do concurso reservar duas vagas para pessoas com deficiência, não houve inscritos nesses moldes no edital.