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Entenda a história por trás do pedido de socorro que emocionou Lula na Concha

Por Flávia Requião

Foto: Ricardo Stuckert/PR

Um dos momentos mais marcantes na noite da última quinta-feira (11), foi a emoção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) após uma mulher subir ao palco, durante o seu discurso na cerimônia de assinatura da Lei Paulo Gustavo, em Salvador, para pedir socorro pelo seu povo (veja aqui).

 

A moça em questão é Rose Meire dos Santos Silva, líder do Quilombo Rio dos Macacos, localizado em Simões Filho, na região metropolitana de Salvador. O seu desespero em pedir ajuda vem de anos de lutas que o seu povo enfrenta contra a falta de políticas públicas, violência e tortura, por parte dos militares da região, e muitas perdas dentro da comunidade. 

 

Em conversa com o Bahia Notícias, a líder denunciou que o quilombo vem sofrendo com a falta de auxílio do governo há mais de 50 anos. “A partir do momento que a gente não tem acesso a essas políticas públicas já é uma violência também, né?”


 

“Dentro do nosso quilombo não tem políticas públicas, nenhuma. Nossos filhos vão para o colégio, andam sete quilômetros para ir e mais sete para voltar. A carta [entregue a Lula no evento] está falando sobre isso. Não tem posto de saúde, não tem colégio, a maioria das pessoas mais velhas são analfabetas, porque não tem via de acesso, sabe? E a gente só recebe aqui a gaveta para poder pegar o corpo, porque quando a gente liga pra Samu, ela não entra na comunidade para poder pegar as pessoas, para dar socorro”, detalhou.

 

A ativista falou que a base de sobrevivência do seu povo vem da Barragem Rio dos Macacos, mas que existe um conflito territorial com a Marinha e que há uma ameaça da construção de um muro para impedir a utilização do local. “Esse rio é nosso, nosso povo foi criado através desse rio, pescando na beira, pegando água. A gente tem uma cultura na beira e a história não vem pelo cano, né?”, disse.

 

A líder comunitária descreveu que os militares os expulsam do rio e os tiram o direito de pegar água. “A gente não pode ficar calado sobre isso, cada vez mais estamos perdendo pessoas, que muitas vezes são encontradas dentro da comunidade assassinadas. A justiça não dá uma resposta, não existe investigação nenhuma sobre esse caso”, desabafou.

 

“As forças armadas do governo brasileiro, que é a Marinha do Brasil, falam que é para defender a nação, só que a gente não é nação para eles”, lamentou.

 

Rose Meire frisou que existe uma titulação de terras, que foi assinada em 2020. No entanto, segundo ela, o acordo foi realizado sem a constatação da parte dos quilombos e o tamanho do hectare liberado para o grupo foi de maneira injusta.

 

“[O acordo foi] entre o governo e a Marinha, aí fizeram o que eles queriam. O que foi que eles fizeram? Nos tiraram toda a área, então a gente não vai ter acesso a água. Estamos lutando pelo uso compartilhado da água e que não haja esse muro”, ressaltou.

 

Desde o início da vida a ativista tem passado por situações como esta. Filha de uma mãe com 17 filhos, onde sete foram assassinados por conta da violência no local, Rose disse que teve o seu direito de viver a infância roubado, começando ao presenciar a morte da sua irmã e “sem poder dar socorro, porque os militares não deixavam”.

 

“A gente foi impedido de estudar. A primeira vez que meu pai matriculou a gente no colégio, quando eu era pequena, a gente saiu com o caderno dentro do saco e os militares estavam com um fuzil vigiando e não deixavam a gente sair. Então a gente passou um bom tempo na comunidade sem acesso a rua, quem passava eles atiravam”, relatou.

 

Santos também contou que desde nova até hoje é violentada e torturada e que a vida no quilombo é ir ao rio, pescar e ver os militares tomando o pescado com violência. Além disso, ela citou casos em que os oficiais invadiram, tocaram fogo e destruíram os barracos onde eles vivem.

 

“Teve uma situação que um militar veio correndo atrás da gente, espancando. Quando chegamos em casa, minha mãe estava em uma cama parindo e na hora os caras entraram no barraco da minha mãe atrás da gente, porque estávamos no rio pescando, trazendo alimento para dentro de casa.”

 

A cena com o presidente ontem não foi a primeira que ela teve com o governo federal. De acordo com Rose Meire, foram quatro tentativas para falar com Lula e uma com Dilma, todas elas não houve nenhum tipo de movimentação sobre o caso. “Entregaram o papel para a pessoa do lado e nunca apareceram para resolver.”

 

Entretanto, para a líder, a entrega da carta a Lula e a sua assinatura representa um ponto de esperança a ser vista, porém não é garantia para a mudança. “Valeu a pena, eu acho que valeu a pena. Mesmo eu correndo alto risco, mas valeu a pena.”


 

“Ele recebeu o papel e das outras vezes não teve nenhuma assinatura. Ele pegou o papel e não assinou. Então, dessa vez teve uma coisa importante que foi a assinatura dele e o mundo inteiro me ouviu. Então se acontecer mais morte de hoje em diante aqui na comunidade o mundo sabe que ele sabe [o que está acontecendo] e não fez nada”, contou.

 

Em nota ao Bahia Notícias, a Marinha do Brasil (MB) esclareceu que houve um procedimento conciliatório na Câmara de Conciliação e Arbitragem da Administração Federal (CCAF), para negociar uma solução entre a MB e a Associação dos Remanescentes do Quilombo Rio dos Macacos.

 

A MB declarou que a sua área engloba a Barragem Rio dos Macacos e é considerada de segurança nacional, “por contribuir para o planejamento das atividades relacionadas ao interesse nacional e à execução de políticas definidas para a área marítima”.

 

A frota comentou sobre a titulação realizada em 2020, rebateu a afirmação sobre a proibição de acesso a comunidade, mesmo sendo uma área militar e disse que sempre esteve disposta ao diálogo. “Atualmente, encontra-se em andamento, sob a responsabilidade do governo do Estado da Bahia, a construção de estradas de acesso independente à Comunidade, o que possibilitará ou aprimorará a efetivação de políticas públicas. Ressalta-se, ainda, que a MB nunca se opôs à implementação de serviços públicos de qualquer natureza”, informou.

 

“Desde 2012, propostas de acordo que contemplavam, até mesmo, o oferecimento de terrenos e a construção de moradias. No entanto, somente em 2022, a Associação dos Remanescentes do Quilombo Rio dos Macacos formalizou uma proposta com seis proposições, tendo a MB se manifestado pela viabilidade de cinco delas, estando em negociação, no âmbito da CCAF, apenas a que versa sobre o uso compartilhado da barragem localizada na região”, justificou.

 

A Marinha também negou qualquer registro de conflito recente envolvendo os moradores e afirmou que atua dentro da legalidade, com responsabilidade social.